8 – ENVIRA: INÍCIO DO SÉCULO XXI.

 
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            omo vimos no capítulo anterior o “Terceiro Ciclo” viabilizou, mesmo que por pouco tempo, o crescimento econômico do município de Envira através do setor primário e contribuiu para algumas mudanças na área social, transformou o panorama socioeconômico em um cenário mais próximo da realidade de outras regiões do estado, pois a região onde se localiza o município era considerada, segundo dados estatísticos, como a que apresentava o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Amazonas, ou seja, era a região mais pobre do estado.
O contexto nos primeiros anos do século XXI, pouco deferia daqueles últimos do século anterior a não ser pelo menor dinamismo do setor primário que começou a apresentar um declínio bastante acentuado no processo de produção, por conta de fatores negativos incrustados no centro do processo gestacional ou do gerenciamento e aplicação do plano no âmbito dos seus subprogramas. O quadro socioeconômico começou, gradualmente, a se degradar, na zona rural as políticas de incentivo à produção já não atendiam aos anseios dos produtores. O caráter populista do plano, manifestado através de uma de suas facetas, o paternalismo, provocou um ciclo vicioso na população e esta não soube zelar pela preservação dos implementos agrícolas, recebidos na forma de “doação”, conforme a ideologia política, pela insignificância que representou os seus esforços para consegui-los e por isso não foram valorizados. O porquê de tais ocorrências pode ser explicado, principalmente, nas razões do organismo político dirigente.
Diante de tais circunstâncias é importante refletir sobre a política aplicada para desenvolver o plano pela elite dirigente, sobre as iniciativas governamentais de natureza política no mais alto sentido do vocábulo, visando sempre à promoção pessoal, o nome, as manchetes, a biografia, etc. Infelizmente essa é uma prática comum em nosso país que mancha a natureza e o caráter essencial dos organismos políticos, sejam eles de que natureza for.                        
O final do século XX e o início do século XXI trouxeram algumas transformações significativas que modificaram vários aspectos da vida no município. A ação do programa “Terceiro Ciclo” foi estendida principalmente aos ribeirinhos, ex-serigueiros flagelados do isolamento econômico e excluídos das políticas públicas elaboradas no âmbito federal e/ou regional. O programa de desenvolvimento econômico com base no setor agrícola, até certo ponto melhorou as condições existenciais, que foi disciplinada por uma agricultura racionalizada e não mais condicionada exclusivamente pelos fatores naturais impostos pelo meio. Essa evolução do setor produtivo contribuiu para operar algumas transformações exigidas pelo contexto que foi orientado pelos novos aspectos de vida introduzidos a partir dos conceitos da vida moderna.                                       
No entanto, essas mudanças não excluíram a necessidade de uma analise crítica e reflexiva desse contexto, muito pelo contrário, sobre o processo pelo qual passou essas transformações, a quem mais beneficiou e se foi garantido o acesso à participação da população na construção de uma nova sociedade a partir dos benefícios usufruídos da nova alternativa econômica e das relações dela derivadas.
Nessa fase em que se verifica algum avanço no âmbito socioeconômico, em comparação com o primarismo constatado até então, a euforia gerada pelo efêmero sucesso obtido a partir dos resultados da produção  desencadeou um acentuado investimento, só que voltado para o campo das abstrações: projetos, propagandas, convênios, planos de ação etc. Tudo justificado por um discurso futurista, virtual, condicionado por um conceito utópico de modernidade e fixado numa realidade idealizada, desconexa, irreal e, portanto, fora do contexto no qual se processava a realidade objetiva. Entretanto, esses investimentos não podem ser analisados a partir de um único prisma, mesmo sendo o mais importante de todos que é o aspecto socioeconômico, mas de ângulos diversos. Vemos aí, além das desvantagens explícitas ao olho do observador, algumas vantagens, embora também abstratas, para o município: seu nome foi tido, por certo tempo, como referencia no cenário regional, do ponto de vista da produção no setor primário e ficou conhecido também como um espaço em expansão na atividade agrícola numa região tão isolada e carente em quase todos os aspectos de vida e também por se tratar de um lugar localizado em plena selva amazônica. Há, contudo certas discrepâncias que não podem passar despercebidas no que se refere ao processo político. Por um lado constata-se um esforço em conseguir as facilidades advindas dos benefícios técnico-científicos, por outro um esforço em manter as tradições políticas que remontam o período de criação do município ou talvez muito anterior. Infelizmente esse paradoxo provocou obstáculos que inviabilizaram a formação de uma base mais sólida que permitisse promover o desenvolvimento, principalmente no âmbito socioeconômico. De tudo isso resultou para o município, em conseqüência da decadência do programa de alternativa econômica, a estagnação do processo anterior com efeitos desastrosos para o setor produtivo e para o posterior desenvolvimento do município. Completando o quadro aparece à política de preços, incompatível com a realidade local: baixo poder aquisitivo da população, hábitos e costumes ainda fortemente ligados à vida nas unidades produtoras de borracha, a disparidade de preços na compra e venda dos produtos e também em função dos conceitos dos ribeirinhos sobre a atividade produtiva comercial.
         Todos esses aspectos revelam o caráter superficial das instituições políticas, suas facetas e parcialidade diante da realidade objetiva e em toda a complexidade sociocultural. Tal situação confere com o aspecto educacional da população, semianalfabeta, na sua maioria, com uma visão um pouco limitada sobre as regras do sistema capitalista no que se refere ao processo produtivo comercial de acordo com os termos de civilização proclamados pela ciência e pela tecnologia.       
Para compreender melhor esses aspectos, relacionados à sociedade local, é preciso considerar as várias influencias que o homem amazônico, particularmente a população do município de Envira, recebeu dos nativos e até mesmo pelas condições naturais da região, no que se refere à atividade produtiva: se preocupavam em suprir as necessidades imediatas, do agora, do hoje, não estocavam produtos além de suas necessidades diárias, ou seja, não visavam acúmulos de bens materiais. Essa cultura indígena ficou expressa nos estoques culturais de grande parte da população do município, principalmente aqueles de origens mais humildes, os que nasceram nas mais longínquas colocações, às margens dos igarapés, logos, alto dos rios, paranás e que mantinham contato esporadicamente com outros de sua estirpe e bem distantes de aglomerações onde as relações sociais pudessem evoluir a partir da formulação de novos conceitos resultantes de processos de conhecimentos construídos através do surgimento de novas necessidades e pela dinamização de ideias surgidas no âmbito de revoluções culturais. Dessa forma, foi que se criou um estilo próprio de vida com pouca influencia externa, desprovida de uma educação formal ou qualquer outra espécie de infraestrutura social organizada e estruturada, de forma substancial, com a finalidade de promover a ampliação do espaço geográfico. A natureza os condicionou a viver conforme sua disciplinação, resignados, num ambiente que ditava o processo evolutivo.
Nesse contexto, os investimentos por mais bem intencionados que fossem não iam, jamais, produzir os efeitos objetivados com tal empreitada. Nas condições acima referidas e sem uma prévia mudança de mentalidade a partir de uma sensibilização social os planos e ações desenvolvidos e direcionados para a área econômica a partir do setor produtivo numa sociedade iletrada, alienada pelo poder público e pela política, condicionada pelo primarismo das atividades na selva e na rusticidade de suas ações produtivas na luta pela sobrevivência os seus mentores idealizadores e gestores da coisa pública deveriam, ao menos, ter a decência e a sensatez de que os investimentos feitos com fins de promover o desenvolvimento deveriam seguir-se a outros investimentos ainda mais importantes dos quais derivam todos os outros, principalmente diante das exigências do mundo moderno onde a instrução é o ponto primordial para qualquer empreendimento que objetive o desenvolvimento e isso só é possível através de processos educativos, não uma educação qualquer, mas uma que dê condições ao homem de rever seus conceitos e formular novos que lhe permita atuar responsavelmente no meio onde vive, modificando-o e transformando-o em seu próprio benefício e da sociedade em que se insere e, acima de tudo uma educação que permita a sistematização de conhecimentos que liberte dos paradigmas tradicionais e arcaicos, ainda impregnados nas sociedades subdesenvolvidas obstacularizando de forma latente o desenvolvimento de povos ou de regiões.   
O grau de desenvolvimento atingido por uma sociedade é analisado a partir do nível educacional, do avanço econômico, da evolução cultural e política por esta alcançada, enquanto que a dificuldade do homem para desenvolver-se se encontra na falta de conhecimento, na falta de acesso aos recursos necessários para tal evolução, ao isolamento e em lidar com os instrumentos que lhes são apresentados no cotidiano, instrumentos novos com características e aspectos diversos, na maioria das vezes, úteis às transformações e, consequentemente o desenvolvimento do meio, mas quando utilizados inadequadamente os torna sem efeitos e sem importância aos que o utilizam. Falamos dos fatores que constituem o caráter essencial de evolução nos seus mais diversos aspectos: compreender a realidade presente; suas tendências, exigências e necessidades; usufruir dos benefícios da ciência e da tecnologia; estabelecer novas relações de trabalho e sociais; espírito coletivo e solidário além de vários outros elementos ou recursos que só são conseguidos ou desenvolvidos a partir de conhecimentos construídos e utilizados para promover a transformação do meio onde vivem as sociedades.
TOCANTINS, (1982, p. 54): “A luz desta vista d’olhos preliminar por sobre a sociedade...” é essa visão preliminar que lançamos sobre a sociedade do município de Envira e é essa mesma visão que nos faz compreender as características fundamentais da formação do município nos campos econômico, político e sociocultural nos seus sentidos mais amplos de conjunto: complexos de relações (sociais, de trabalho e com o meio) e a interdependência entre homem e natureza. A sombra desses fatores, característicos da realidade amazônica, torna possível entender melhor o processo histórico do município, suas peculiaridades e o aspecto de vida de seus habitantes.    
Nesta evocação ao processo histórico do município de Envira encontramos os elementos que nos permitem compreender melhor o momento presente porque passa a história de sua gente, suas tradições notadamente impressas nos aspectos de vida do município, o que talvez tenha concorrido para retardar o desenvolvimento, mas também não se pode analisar sua historicidade levando em conta apenas o primarismo cultural de sua população. É preciso lembrar que existem diversos fatores que tiveram, efetivamente, influencia direta e indiretamente no processo de desenvolvimento em todos os aspectos e, é possível que tenhamos deixado de mencioná-los, pois este é apenas um trabalho preliminar e está longe de ter incluso em seu conteúdo todos os elementos pormenorizados analiticamente da trajetória histórica da sociedade do município.
Como vimos até aqui, a História do município de Envira não é, aos olhos do observador, um caso desviante do cenário amazônico, principalmente na região em que está inserido. Uma região que ainda não se integrou de fato ao resto do Brasil. Nessas condições não é de se esperar que a criação do município possa ter favorecido uma concentração de recursos humanos e econômicos ou até mesmo tecnológica capaz de modificar as formas de atividades a que estava condicionada a população, ou seja, moldada segundo as contingências da produção extrativa.
O caráter fundamental de desenvolvimento do município, nos aspectos econômicos, políticos e sociocultural, derivam de forma imediatista do próprio processo de colonização a que foi submetida à Amazônia, primeiro pelos portugueses, a partir do século XVI e depois pelo Estado brasileiro a partir da segunda metade do século XX, durante o Regime Militar, esse último até bem intencionado, mas mal estruturado e aplicado diante da extrema necessidade de integração da região ao resto do país, numa expectativa de diminuir o estado de hostilidade latente que sempre separou a Amazônia do Brasil de forma humilhante. O fato é que as disparidades existentes no atual contexto sempre existiram, enquanto umas regiões se destacam pela alta produtividade, infraestrutura adequada e alto padrão de vida outras aparecem à margem do desenvolvimento, dependendo de algumas migalhas do pólo dominante e das ações de governo para sobreviver, como é o caso da região em estudo. Os esforços da população quase em nada contribuíram para a inversão desse quadro.
O fator econômico e o fator político se encontram explícitos em quase todas as páginas deste estudo, isso porque tais aspectos constituem o sistema de dominação e estão presentes na forma de viver dos povos ou sociedades, decidindo e regulando o seu processo de desenvolvimento. Durante essa breve analise apresentamos, conforme o que foi constatado em pesquisa sobre a História do município, um quadro político/ econômico deprimente, além do isolamento social a que a população foi submetida, desde o inicio do processo da ocupação humana ou a chegada dos nordestinos ocorrida em fins do século XIX e na primeira metade do século XX, em diante, período de maior migração nordestina para a região, retirantes flagelados da seca e depois já no final do segundo quartel do século XX, os “Soldados da Borracha”, ao tempo presente.
A analise do processo histórico do município de Envira nos mostra uma trajetória de vicissitudes onde os elementos aí encontrados apontam para indícios de uma região extremamente desprezada, desasistida, onde o sistema político/econômico não promoveu o seu desenvolvimento. Uma região que tinha como único meio de ligação com outras regiões, desde tempos remotos, o rio, que era o canal exclusivo de transporte, comunicação e meio de sobrevivência das populações do município, seja dos ribeirinhos ou da cidade.
Com base nas exposições anteriores, podemos concluir que esse processo de exclusão é resultante do sistema político/econômico adotada pelo pólo dominante em relação à região em estudo. Falamos de um sistema corroído, impregnado de elementos vazios, seletivos e excludentes. Contudo, o município alcançou algum progresso no âmbito da produtividade do setor primário, expressivo até, se fizermos uma analogia com o aspecto agrícola de tempos passados onde as atividades realizadas eram disciplinadas incondicionalmente pela natureza circundante.
Os avanços registrados no final do segundo quartel do século XX, como já foram ressaltados anteriormente, foram inegavelmente de grande importância para o município, principalmente no âmbito socioeconômico e quando a integração se fez sentir no campo das comunicações. Pelo menos nesse terreno houve um avanço significativo para a sociedade. Noutro, direcionado exclusivamente para a área econômica – o plano denominado “Terceiro Ciclo”- parecia substancial, diante da situação lastimosa em que a população vivia. Mas, como o seu organismo executor era o homem, o homem capitalista, orientado pela doutrina desse modelo econômico (o capitalismo) desumano e opressor, o plano foi carcomido, seu efêmero sucesso não favoreceu o desenvolvimento da economia local, efetivamente.   
A economia gomífera produziu uma sociedade que se refletiu nas atividades extrativas intimamente ligadas à natureza, fiel às atividades na selva a as interrelaçoes estabelecidas ainda durante o processo de adaptação dos nordestinos à região. O processo de evolução seguiu religiosamente o ritmo da natureza, o mesmo ritmo com que esta processa as mudanças do meio natural. Dessa forma, homem e natureza criaram elos indissociáveis que resultou em um notável sistema ecológico notadamente expresso na estrutura sociocultural, nas relações sociais, nas atividades produtivas, enfim, no conjunto das ações pelo homem realizadas. Nesse aspecto a região assume características particulares, distintas de outras regiões de seu entorno. A identificação do homem com a natureza talvez seja o motivo pelo qual os atores responsáveis pela força de trabalho na região, denominados “caboclos”, tipo característico de habitante da floresta, não tenham se empenhado em promover as transformações do meio onde viviam, ou vivem, através de outras atividades produtivas, como a agricultura, por exemplo, que sempre foi vista como uma atividade de pouca importância, no que se refere ao desenvolvimento econômico diante da economia gomífera. A exuberância da fauna e da flora, na oferta de produtos naturais, condicionou a população a uma forma de vida quase que exclusivamente dependente dos produtos coletados na floresta, não fosse algumas pequenas roças em torno das habitações.
Outro fato, que a nosso ver contribuiu desfavoravelmente para a não construção do espaço socioeconômico do município, foi à visão silvícola que os detentores do poder político/econômico do país, ou seja, os que definem e aplicam as políticas públicas e as áreas de sua abrangência têm do “caboclo” amazônico. Daí é que surgem os fatores que resultam no abandono em que vivem os grupos humanos, não só da região amazônica, mas, sobretudo, das regiões periféricas tanto da Amazônia quanto de outras regiões do Brasil. O estado de miséria que se instalou por ocasião da decadência, ou depressão, da atividade extrativa do látex, que deixou a população a mercê de sua própria sorte, obrigou a dissociação das atividades extrativas dando espaço para a abertura de uma frente produtiva com um significado ampliativo do campo econômico e o reordenamento das relações sociais orientadas para uma nova forma de sobrevivência. Mas, como buscar esse novo espaço de realizações se o homem não dispunha dos instrumentos viabilizadores para utilizá-los na construção desse espaço? Entendidos como: educação, sistema de saúde, incentivos, subsídios financeiros e técnicos, implementos agrícolas, maior integração com outras regiões, reconhecimento de igualdade social e liberdade para produzir de acordo com a vocação e as reais necessidades locais, etc. A ausência desses fatores contribuiu para a perpetuação do emprego das técnicas primitivas herdadas dos nativos, da queimada e da coivara para o cultivo da terra em dimensões mínimas, mal dando para suprir as necessidades diárias de suas famílias.
O espaço geográfico, os fatores climáticos, a densidade da floresta, a fragilidade do ecossistema (já comprovado por especialistas no assunto) ajudam a compor o quadro socioeconômico do município já que não foi definido, em nenhum momento da história da região em referencia, uma política adequada de desenvolvimento que considere todos os fatores descritos acima, colocando o homem como sujeito, foco principal de todo o investimento, de forma substancial, para a região. 
Todas as informações obtidas para a realização deste trabalho foram de igual relevo e decisivas para traçar o perfil do processo histórico do município no conjunto de seus elementos mais significativos: o aspecto político – econômico, o aspecto sociocultural e o aspecto humano. Vimos que a criação do município e o assentamento de sua sede (cidade) sofreram forte oposição dos seringalistas que procuraram desvirtualizar as expectativas de um futuro melhor para a região desvinculada da atividade extrativa da goma elástica ou de vê “suas terras” sendo exploradas para outros fins se não o da produção de borracha. Produzir a partir de outros recursos e alimentar uma população que não estava sob seu domínio. Mesmo assim, a influência desses atores, no âmbito político – econômico, foi intensa e muito marcante na História do município.
A construção do espaço urbano foi uma tarefa difícil, lenta e executada de forma rústica, idealizada e realizada a partir do mesmo conceito de vida estabelecido nas unidades produtoras – os seringais – sem o mínimo de uma infraestrutura básica que viabilizasse um novo estilo de vida, principalmente em relação à população urbana. O primarismo expresso nas ações da sociedade revela o processo do desenvolvimento político – econômicos e socioculturais que o município alcançou durante essa parte do seu processo histórico, aliás, essa História é a mesma que conta a trajetória nordestina na região.  
A migração nordestina é considerada responsável pela formação da população do município que tem nos seus habitantes os traços físicos típicos daquele povo, seja na expressão física, na cultura, na religião e na estrutura morfológica. Os motivos nordestinos na região se sobrepõem aos indígenas, embora tenha havido certa fusão das duas culturas, a nordestina está mais presente, pois apesar dos migrantes terem absorvido vários elementos da cultura indígena tiveram que adaptar seus elementos culturais às peculiaridades do novo ambiente além, é claro, de terem criado novos elementos culturais a partir das atividades e da forma de vida que tiveram que desenvolver na selva, tendo como resultado uma produção cultural particular, rica e complexa, identificada com a região e com a sociedade, com a origem de sua gente e seus antepassados na luta pela construção do espaço geográfico e sociocultural. Infelizmente essas construções, foram ao longo do tempo, sendo esquecidas, do ponto de vista da valorização e preservação. Não se constata nenhuma mobilização que despertasse o interesse, que causasse a preocupação em preservá-la para manter viva a tradição cultural que identifica a população no seu lugar de origem. Observa-se uma quase que total ignorância, por parte da sociedade local, para com seus antepassados, uma negação latente de suas origens apesar de apresentarem traços denunciativos em quase todos os aspectos.
O processo histórico do município de Envira se reflete no seu desenvolvimento sócio - econômico e político – cultural, na construção do espaço urbano, no estilo de vida e nas relações sociais e de trabalho estabelecidas no percurso do seu processo histórico. Muitos desses aspectos atuaram e/ou atuam de forma desfavorável no que se refere na questão do desenvolvimento do município seja em que sentido for. As poucas conquistas alcançadas ao longo do tempo não atenderam às exigências da sociedade nem tampouco serviram para justificar os esforços políticos desenvolvidos e aplicados na forma de obras assistencialistas.
O final do século XX e o início do século XXI foram, sem dúvidas, relevantes para o aspecto econômico, mesmo ainda muito longe de ser o ideal, mas se comparado ao panorama anterior, principalmente o das populações ribeirinhas, o progresso alcançado no pequeno período de euforia do “Terceiro Ciclo” modificou de forma substancial o quadro socioeconômico de grande parte da população atingida pelos benefícios dos planos alternativos de desenvolvimento, ou pelas ações de caráter paternalistas que contemplaram alguns pequenos grupos ligados à elite local.
Um dos setores produtivos que talvez tenha atingido o maior índice de crescimento, já no início do século XXI, foi o setor terciário, onde o número de estabelecimentos comerciais no município cresceu vertiginosamente se comparado há alguns anos antes. O mercado consumidor também cresceu em virtude da injeção de capitais no setor produtivo e o aumento na oferta de produtos e de sua diversidade. Dessa forma, a vida no município, principalmente no perímetro urbano, foi se processando orientada por novos conceitos que indicavam um consumo maior de produtos, apesar do baixo poder aquisitivo da população, que procurou seguir, embora de forma muito tímida, as tendências da globalização.
Como vimos nesta breve reflexão sobre a história do município de Envira os problemas incrustados profundamente na sociedade local, provenientes de épocas remotas assim como o tratamento dado à região em estudo pelo pólo dominante federal e estadual estão longe de serem equacionados.
Tentamos mostrar ao longo deste estudo os principais aspectos da História do município de Envira, a sociedade que se construíram as transformações ocorridas durante seu processo histórico na luta pela construção do espaço geográfico no ambiente, assim como os aspectos que apresentados na construção desse espaço, considerado ainda bastante primário e rudimentar quando comparado a outras regiões do país. Observamos que a força incorporada à população pela natureza forneceu os ingredientes necessários para os contingentes culturais desenvolverem, não um modelo de desenvolvimento embasado nas modernas teorias do setor produtivo decorrentes da evolução técnico – científica, mas uma forma própria de sobreviver num ambiente hostil, tanto pelo descaso do poder público quanto pelos mais rudimentares vínculos resultantes do primarismo das atividades produtivas realizadas na região, cuja escola responsável pelo processo de formação da intelectualidade do saber caboclo era a atividade na selva: caça, pesca pequena agricultura e, principalmente a extração do látex em torno das rústicas habitações e a coleta de produtos da floresta. Dessa forma, os elementos aqui utilizados para explicar os principais aspectos que deram margem à construção do espaço geográfico municipal, nos campos político, social, econômico e cultural se justapõem e explicam por si só o ambiente construído ao longo desses anos de existência do município de Envira. 


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MARIA, entrevista concedida em 07/05/2004.
JOSÉ, entrevista concedida em 10/07/2004 e 16/07/2004.
JOSÉ, entrevista concedida em 14/07/2004.
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