5 – CONSTRUÇÃO E OCUPAÇÃO DOS ESPAÇOS

 
  O processo de ocupação da Amazônia ocorreu de diferentes formas em diferentes regiões também diferentes. Entre 1880 e 1920, a região foi tomada por um surto econômico que transformou as cidades da região, como Manaus numa cidade moderna e Belém num porto internacional. A Amazônia era o único lugar do mundo que fornecia a borracha, uma matéria-prima cada vez mais consumida pelos países industrializados, a partir da descoberta do processo de vulcanização que proporcionou o seu uso a produção industrial, principalmente na fabricação de pneus. Isso levou milhares de trabalhadores a invadirem a região. Como as seringueiras ficavam espalhadas pela floresta e como os primitivos métodos de incisão matavam a planta em alguns anos, os seringueiros foram obrigados a se embrenhar cada vez mais mata adentro.
 Fugindo da grande seca que ocorreu no nordeste o final do século XIX, cerca de 300 mil nordestinos, vindos em levas sucessivas, chegaram à Amazônia incentivados pelo governo federal, que via nessa mobilidade uma forma de livrar-se do problema social e de ocupar uma região considerada “desabitada”.
 Adentrando a selva, sangrando as seringueiras, os nordestinos viveram em condições de extrema penúria, explorados pelos donos dos seringais, dizimados por doenças e muitas vezes vítimas de alimentação precária, pois todos estavam empenhados apenas na extração do látex. Os trabalhadores viviam em regime de semi-escravidão, vigiados pelos capangas dos seringalistas e impedidos de abandonar o trabalho forçado.
 Além disso, viviam em constantes conflitos com os indígenas que aí viviam. Os indígenas também foram subjugados pelos seringalistas e muitos deles foram inseridos no processo de extração do látex. Nesse processo diversas nações indígenas foram dizimadas.
 O ciclo da borracha, com o desbravamento da Amazônia pelos nordestinos e pelos índios, foi o primeiro grande empreendimento levado a efeito no Brasil sem o auxilio do braço escravo africano. O monopólio brasileiro na produção e os altos preços da borracha no mercado internacional enriqueceram, durante algum tempo, os donos dos seringais e fizeram de algumas cidades da região capitais de “fausto e dissipação”.       
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o capítulo anterior fizemos um breve resumo do aspecto cultural do município de Envira, numa perspectiva de apresentar os principais atores de sua formação. A cultura da região, conforme foi observado, expressa a fusão dos vários elementos humanos e culturais, ou seja, a fusão dos motivos nordestinos, indígenas e europeus.
    Não é objetivo deste trabalho detalhar em seus pormenores a estrutura cultural do município, mas sim fazer uma abordagem geral sobre a construção e ocupação dos espaços social, econômico, político, cultural e humano. Por isso, procuramos dá ênfase ao processo de ocupação desses espaços ao longo da História da região em referencia.
Agencia dos Correios


A região da qual tratamos sempre foi dependente de outras praças, principalmente do ponto de vista econômico. Diante da insuficiente produtividade e do desfavorável quadro econômico, político e social do município que se enquadra numa região de completo abandono em relação a outras regiões do estado e do país.
                                                               
                                                                
5.1 – ECONOMIA.
Desde a criação do município de Envira seu desenvolvimento é obstacularizado pelo abandono e carência de recursos tanto financeiro quanto materiais, políticos e humanos indispensáveis ao processo de evolução que é agravado ainda pela carência de energia, transporte, comunicação e pela falta de políticas públicas que leve em conta as peculiaridades da região e favoreça o desenvolvimento, principalmente no âmbito social e econômico.
Na época em que o município foi criado o espaço urbano não diferia, em muito, do espaço rural. A construção da cidade não trouxe modificações significativas para a população. A vida nos seringais (unidades produtoras) levava algumas vantagens se comparada à vida na cidade: maior disponibilidade de alimentos, mas facilidade para extrair os recursos naturais (principal fonte de renda da população), terras disponíveis para a prática agrícola e pecuária e a adaptação ao estilo de vida local já consolidado pela produção de borracha e pela vida na selva.

      “Não havia motivos para a gente ir morar na sede do município, lá não havia serviço melhor do que o de produzir a borracha, não tinha atendimento na área social, não havia políticas para promover o desenvolvimento, os governos municipais não podiam fazer quase nada para desenvolver o município, pois não tinham recursos o lugar era muito pobre.” (Francisco, entrevista concedida em 20/11/2005).

Na cidade eram poucas as atividades econômicas oferecidas à população. A começar pelo comércio que apresentava pouca expressividade no cenário local, era representado quase que exclusivamente pelo regatão que durante muito tempo dominou o comércio na região, principalmente quando a borracha ainda era o principal produto que movia o comércio da região.
TOCANTINS (2000, p. 195): “De todas as figuras regionais que o comércio estimulado pela borracha veio firmar no panorama social da Amazônia, incontestavelmente foi o regatão a mais pitoresca...”
Nas décadas de 60 e 70, a economia da região ainda se restringia ao comércio da borracha, mesmo com pouca expressividade no cenário regional, ainda era a atividade que ocupava a maior parte da população ativa do município.
O comércio pouco desenvolvido e a inexistência de indústrias, assim como a ausência do setor de serviços o município oferecia poucas alternativas de vida na cidade. Somente a partir da década de 1980, com a total depressão da economia gomífera, na região, é que houve uma onda migratória da zona rural para a cidade.
O relato a seguir expressa a situação dos seringueiros quando estes deixaram de extrair o látex. “A vida ficou muito difícil no seringal com o fim do comércio da borracha, nossa única fonte de renda. Não havia escolas suficientes para os nossos filhos, nem serviço de saúde, era difícil vender o que se produzia alem da borracha, quando vendia não valia a pena, pagavam uma miséria, quando o regatão passava ninguém podia comprar o que ele vendia, era muito caro, então, o jeito foi vim para a cidade atrás de uma vida melhor e de escolas para meus filhos” (Sebastião, entrevista concedida em 03/06/2004).

5.2 – COMUNICAÇÃO E TRANSPORTE.
Nas décadas de 60 e 70, o sistema de comunicação era deplorável. Não havia televisão, telefone ou outro meio além daquele natural e único, precioso, chamado rio, que pudesse diminuir as enormes distâncias que separava o município de outros centros mais desenvolvidos, assim como os meios de transportes. O município dispunha apenas de uma pista, para táxi aéreo, feita de terra batida e a via fluvial utilizada também como meio de comunicação. A região viveu durante muito tempo em completo abandono, dependente quase que exclusivamente de outros núcleos urbanos da região de seu entorno.
TOCANTINS (2000, p. 145): “Condenados a um terrível abandono, os habitantes dessas circunscrições durante muitas décadas suportaram as dificuldades irremovíveis da navegação fluvial, único meio que dispunham para a comunicação com os centros de interesse social. A despótica via natural roubava-lhes o mais precioso dos bens da vida econômica: o tempo. Arrastavam-se os dias, os meses, os anos arrebatados pela tortuosidade dos rios, pelos verões inclementes, pelos espaços do paralelismo hidrográfico”. Ademais, havia ainda, no começo da ocupação do espaço urbano, uma extrema carência do sistema educacional e de saúde, o que tornava a vida na cidade ainda mais difícil.
5.3 – VIDA SOCIAL E ECONOMICA.
A vida social e econômica foi se processando lentamente, as atividades realizadas, as relações sociais que se estabeleciam no meio expressavam o nível de evolução do município, pouco percebida, durante décadas a vida permaneceu quase inalterada, principalmente do ponto de vista econômico. Os planos e os programas de desenvolvimento dos governos federal, estadual e municipal não chagaram a fazer efeito no município, até porque suas ações não desencadearam mudanças significativas de relevância econômica e social.
Há muito tempo à região já vinha sofrendo com o declínio da economia gomífera, principalmente de sua fase mais expressiva que foi a do início do século XX. A luta para encontrar um novo caminho que levasse ao desenvolvimento era a vontade de todos e tudo indicava que teriam de encontrar sozinhos já que lhes faltava incentivo, assistência, medidas e planos de ações públicas e outros recursos indispensáveis ao desenvolvimento de um povo. Mas, esses aspectos aqui abordados não são tomados como pontos justificáveis do atraso em que foi submetida à região no processo de desenvolvimento. Nossa intenção é expor a realidade no seu conjunto e contexto, mostrar a sua verdadeira história da qual partilharam os desbravadores, os construtores que deram o suporte para as poucas conquistas alcançadas por outras gerações ao longo do processo histórico do município.
Não temos a intenção de lamentar a angústia e o sofrimento da população, sua luta pela sobrevivência, a rusticidade de suas ações bem como o baixo índice de desenvolvimento econômico e social, mas de levar ao conhecimento das sociedades a História contada pelas massas, não como de miséria, desacertos, desencantos e sofrimento, mas sim, de lutas e de todos os demais aspectos imbricados na historicidade de um povo.
ANTONACCIO, (2001, p. 41): “Não se pode narrar à angústia dos amazonenses, historiando apenas fatos imutáveis e que o destino jamais permitiria aos atingidos encarar com facilidade. Resta lembrar, entretanto, que graças a uma luta sem tréguas, fruto do espírito imbatível, a coragem e do amor a terra, muitas foram às conquistas alcançadas pelos amazonenses após os primeiros vinte anos que marcaram o início do século XX e o declínio do apogeu”.           
É com essa intenção – a de mostrar os fatos – que relatamos os acontecimentos que marcaram a trajetória dos povos no município e sua luta no processo de ocupação dos espaços, rural e urbano, e a construção desses espaços no curso de sua História.
Condenados a um terrível abandono a população do município conviveu durante décadas com extrema carência de recursos que viabilizasse o desenvolvimento da região. A criação do município e a construção da cidade, nas primeiras décadas, não modificaram a situação de vida de sua gente.
O município não dispunha de recursos, como já foi dito, para oferecer aos seus moradores. Como exemplo citamos o caso da energia elétrica, que era oferecida a uma parte da população com prazo e hora determinados. No campo da indústria havia apenas uma olaria (segundo informações dos moradores mais antigos). O comercio local, com um ou dois estabelecimentos, não oferecia metade dos produtos básicos indispensável ao consumo dos moradores, (informações dos moradores mais antigos). Nessas condições o município era quase que totalmente dependente de outros centros urbanos da região. 
O exposto acima pode ser constatado no depoimento de ex-comerciante que diz o seguinte: “A atividade comercial do município era muito precária. O custo dos produtos era muito alto. As pessoas compravam muito pouco e esse pouco era feito através de trocas dos produtos pela borracha, além do mais havia os regatões que dominavam o comércio na região”.
A construção do espaço pela sociedade caminhou a passos lentos, no ritmo da evolução social na produção e reprodução de suas relações na transformação do meio. Acostumados ao ambiente natural e presos às tradições colonialistas as administrações locais demonstraram pouco interesse pela modernização, e nem podia ser diferente, por conta do primarismo apresentado pelo município no setor econômico e também na área social. Isolados num mundo distante dos benefícios da ciência e da tecnologia a sociedade municipal pouco evoluiu principalmente do ponto de vista socioeconômico e no que se refere à construção do espaço em que viviam ou vivem.
OLIVEIRA, (2000, p. 105): “A análise do processo de produção do espaço num lugar específico da Amazônia pressupõe o entendimento de que a produção do espaço não se encerra em si mesmo à medida que é condição, meio e produto da sociedade. Ou seja, a produção do espaço é aqui considerada no seu sentido mais geral, abrangendo a produção e reprodução das relações sociais”.
É nesse sentido que procuramos entender ou compreender o processo de construção, produção e reprodução, assim como a formação das bases em que se erigiu a cidade e as relações que se estabeleceram no curso dessa produção ou construção, nos aspectos econômico, político, social e cultural no processo de ocupação do espaço municipal.
Os relatos de pessoas que vivenciaram sua criação e participaram ativamente na construção do espaço, especificamente do espaço urbano, nos mostram uma realidade um tanto cruel e ao mesmo tempo proporcional às condições do meio, desprovidas dos fatores facilitadores do desenvolvimento, com avanços e recuos e com relativa relevância no processo de evolução do município.
5.4 – O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA SEDE.
Segundo informações de fontes bastante relevante no conhecimento da História do município de Envira, as primeiras pessoas que chegaram para dá início as obras de construção da cidade de Envira foram os seguintes: Francisco das Chagas Mattos e sua esposa Júlia de Pinho Mattos e José Geraldo Bernardo, no dia 12 de outubro do ano de 1960. No dia 02 de novembro do mesmo ano as pessoas acima citadas juntamente com outras que não foi possível obter seus respectivos nomes, iniciaram o processo de limpeza do terreno (desmatamento) no lugar onde seriam construídas as primeiras residências que eram a Prefeitura e a Casa do Prefeito.
Com poucos recursos – humanos, financeiros, materiais – adequados à construção de uma cidade, começaram a erigir a sede do município. 
Dizem alguns moradores que o lugar onde se iniciou a construção da cidade havia um local onde eram feitas execuções de seringueiros, ato promovido por alguns seringalistas da região. É que, segundo comentários de vários seringueiros, havia uma prática bastante comum entre boa parte dos seringalistas ou “Coronéis de Barranco”, como foram denominados também os donos dos seringais, de eliminar (matar) os seringueiros que tiravam saldo positivo de quantidade expressiva e que pretendiam recebê-lo com a intenção de deixar o seringal e retornar a sua terra natal. Então se isso ocorresse, esses seringueiros eram mortos traiçoeiramente sem a menor piedade por ordem do patrão, tarefa executada por pessoas de sua inteira confiança: os “capangas”. As histórias sobre torturas e execuções de seringueiros no local onde foi erigida a cidade de Envira são contadas por pessoas que afirmam que esses fatos são verídicos e que essa era uma prática muito comum na região adotada por vários seringalistas. Mas, esses não são os assuntos aqui em referencia, claro que é relevante dentro do aspecto histórico da região, mas não é o nosso objeto principal de análise do qual se preocupa esse trabalho, são fatos que muitos afirmam ser verdadeiros e que infelizmente fazem parte da História e não podem ficar oculto ou dissociado do conhecimento de nossa sociedade, uma vez que tal conhecimento permite-nos conhecer, compreender e interpretar a História do município de Envira, construída a base de elementos próprios do meio em várias décadas de vicissitudes.
Voltando ao assunto sobre o processo de ocupação do espaço municipal, vamos analisar a parte que trata sobre o esforço brutal desempenhado na construção da cidade. Construída a Prefeitura e os outros prédios da administração municipal começou o funcionamento, em local fixo e definitivo, a gestão de governo do município. A partir de então, foi surgindo um pequeno núcleo urbano em meio à floresta. O ambiente natural foi sendo modificado pela ação dos ribeirinhos no processo de adaptação a nova realidade que se desenhava no âmbito social. Os caminhos e/ou picadas abertas no meio da floresta foram se transformando em ruas que, devido ao aspecto de sua construção, eram mal definidas e de difícil acesso, pois a sua abertura foi feito na base do machado, terçado enxada, picareta, etc. Eram ruas de terra batida, tortas e mal traçadas. As casas eram mal alinhadas e geralmente construídas de madeira, palha, pachiúba ou bambu e cobertura de palha de jaci e jarina e de cavaco. Eram distantes em seus intervalos parecendo reproduzir o aspecto das antigas unidades produtoras de borracha ou o aspecto de sua evolução nos principais campos de sua atuação e desenvolvimento.
As casas distantes em seu alinhamento, fixadas em ruas tortuosas, abrigavam em seu entorno verdadeiras roças. Era mandioca, banana, milho e outras espécies de alimento de uso corrente na alimentação dos ribeirinhos. A vida no aglomerado urbano parecia sintetizar a vida nos seringais.
Na cidade a vida era simples e pacata, todos se conheciam, eram companheiros, colegas de atividades e que tinham muito em comum. As relações sociais sofreram, naquela época, pouca ou quase nenhuma alteração que diferisse daquelas estabelecidas nos seringais. Os que chegavam da zona rural, para habitar a cidade, pouco faziam para se adaptar a nova vida, pois já conheciam a rotina diária da vida naquele ambiente, pois pouco diferia daquela dos locais onde antes residiam: os seringais.
Delegacia de Policia

O processo de povoamento da cidade, na sua gênese, ocorreu quase que em família, não a de seus fundadores que constituíam a elite local, pois estes não construíram grande parentesco, mas a dos verdadeiros construtores, ou seja, dos que ajudaram a construir o espaço urbano, os desbravadores do lugar. Dessa forma, destacaram diversas dessas famílias, não que algumas tenham tido ou exercido um papel de menor importância, mas apenas para exemplificar o quanto a população se pertencia e tinham em comum no processo das ralações sociais e laços sanguíneos ou de afinidade, quais sejam: família Silva, família Pereira, família Iôiô, família Mendes, Castro Santos e outras tão importantes no processo de ocupação e construção do espaço urbano municipal e que construíram um grande parentesco assim como um papel de grande relevância na formação do quadro populacional da cidade de Envira, preservando a mesma tradição patriarcal já constituída no convívio social da vida ribeirinha. Vale ressaltar que o modelo de família patriarcal remonta o período colonial, herança dos colonizadores portugueses.
Sobre o aspecto acima referido, relativo à questão das famílias, um antigo morador diz o seguinte: ”No início do povoamento da cidade havia poucas famílias, mas elas cresceram através da mistura com outras, formando grandes famílias, quase todas as pessoas que moravam na cidade eram parentes de sangue ou afins, todos se conheciam, trabalhavam juntas, se relacionavam amigavelmente, era a continuação da vida nos seringais”, (José, entrevista concedida em 16/07/2004).
No início da década de 70, a cidade começou a ganhar um aspecto mais urbanístico, as ruas, duas ou três que havia, foram calçadas com concreto, alguns prédios foram construídos em alvenaria, substituindo alguns locais da administração municipal como a Prefeitura, por exemplo. Uma praça foi construída para o lazer da população: os passeios nos finais de tarde, domingos, festejos e comemorações cívicas e religiosas. A referida praça, construída em frente à cidade, constituiu-se no cartão postal da cidade durante muito tempo. Houve também, na década seguinte, um aumento na oferta de energia elétrica, mas ainda insuficiente, funcionando apenas em parte de cada expediente diurno e noturno. Várias ruas foram abertas. Houve, sobretudo, uma tímida evolução nos principais aspectos da vida urbana, nas relações sociais e nas atividades produtivas.
O aglomerado urbano adquiriu um aspecto mais moderno, mas nada substancial que otimizasse seu desenvolvimento político, econômico e social, ou que possibilitasse grandes transformações na qualidade de vida da população. Dessa forma é que o espaço urbano foi sendo construído num lento processo de transformação do espaço natural. Os aspectos, políticos, econômicos e sociais iam se processando conforme o contexto, uma realidade sem grandes perspectivas e/ou projeções de um futuro promissor capaz de acabar com o desprezo e o isolamento a que foram submetidos.
“Fomos desprezados e desassistidos numa terra de ninguém sem qualquer espécie de assistência, isolados no meio da floresta onde a única via de acesso era o rio. A gente vivia sem perspectiva de vida” (depoimento de um ex-soldado da borracha).
As ações de governo do pólo dominante e do pólo regional raramente chegavam à região e quando chegavam não atingia um quinto da população do município. Algumas ações, de caráter paternalista, só serviam para angariar votos e alienar ainda mais a população que sempre se mostrou pronta para atender aos ditames das oligarquias locais e regionais que usavam o povo, valendo-se de sua ignorância e de sua boa fé, para mantê-la sempre a sua disposição em épocas de eleiç Dessa forma, os grupos políticos controlavam a população e esta sempre se achava em débito com tais políticos por conta das migalhas que recebiam, das ideologias políticas que lhes eram repassadas através de um discurso enganoso, pelas promessas que pregavam o desenvolvimento fácil e que se renovavam o cada pleito enchendo o povo de falsas esperanças, mas que na prática nenhuma ação acontecia de fato. Assim, o povo sempre era manipulado pela esperteza dos políticos que pela inescrupulosidade os deixava de mãos atadas sem poder de reação e sem condições de produzir, transformar e ocupar efetivamente seu espaço de direito, nos seus vários aspectos de desenvolvimento que transcorre pelas vias da atuação humana. Sem condições de promover a tão sonhada transformação no meio onde viviam, de forma eficiente, onde pudessem usufruir dos benefícios da tecnologia e da ciência se limitaram a reproduzir rusticamente as atividades primitivas tradicionais que caracterizavam a fase de ocupação da região, em épocas anteriores, com o fim específico de garantir a sobrevivência através da extração dos produtos naturais e de uma atividade agrícola de subsistência.
   5.5 – A MIGRAÇÃO: (ÊXODO RURAL).
           Os deslocamentos populacionais têm como causa principal, como sabemos, a busca, por parte da população, de melhores condições de vida. As pessoas procuram os locais, lugares ou regiões, onde haja abundância na oferta de trabalho, ou seja, onde os fatores econômicos viabilizem o emprego de mão- de- obra. Dessa forma, a migração ocorre de áreas repulsoras para áreas atrativas, isto é, quando um lugar não oferece boas condições de vida à população esta se vê obrigada a sair daquele local e ir à procura de outras regiões onde as condições de vida sejam melhores.
O deslocamento populacional no município de Envira pode ser visto e analisado a partir de três momentos ou períodos, considerando a ocupação nordestina (os soldados da borracha por ocasião da Segunda Guerra Mundial), o fim da economia gomífera na região (a partir do final dos anos 70 e 80) e um período um pouco antes que foi a construção da sede do município.   
No primeiro momento o movimento migratório não ocorreu, o que é claramente comprovado, da zona rural para a sede do município. Devemos lembrar que o período da migração começa a parir de 1955, quando ocorreu a criação do município. O movimento migratório ocorrido antes para a região, na época da Guerra, não se encontra evidenciado neste estudo.
Como foi dito acima, sobre o processo migratório, ele não ocorreu durante as duas primeiras décadas de fundação do município, da zona rural para a cidade, embora muitos ribeirinhos tenham ido morar na sede do município não se verificou, nesse período, uma onda migratória nesse sentido. Isso pode ser entendido pelo fato de que a cidade, recém construída, não oferecia boas condições de vida à população que ali vivia e muito menos para os que chagavam da zona rural. Por isso, a cidade era para os habitantes do seringal uma área repulsora: péssimas condições econômicas, educacionais, de saúde etc.; não oferecia bons atrativos à população. Por conta desses fatores as populações rurais, nordestinas na sua grande maioria, com o fim do comércio da borracha preferiram emigrar para outros lugares ou centros urbanos com maior atração econômica visando melhores condições de vida.
O referido acima pode ser confirmado no relato de um ex-serigueiro soldado da borracha que diz o seguinte:
“No seringal as coisas iam de mal a pior, na sede do município era quase a mesma coisa, então muitos de nossos companheiros ou parentes foram embora para outras cidades, como Manaus, principalmente, lá diziam que era melhor, não fui porque não pude e também porque tive medo, morrer na miséria aqui ou lá não fazia muita diferença” (José, entrevista concedida em 10/07/2004).
A partir de 1943, a região do atual município de Envira recebeu uma grande quantidade de nordestinos, eram os “Soldados da Borracha”. Muitos desses recrutas vieram para a Amazônia iludidos pelas promessas do governo federal que, segundo eles, tinham sua garantia de que quando terminasse a Guerra seriam recompensados e teriam garantido o retorno a sua terra natal e o sonho do enriquecimento fácil através da lucrativa economia gomífera (relatos de soldados da borracha).Vale lembrar, também, que os soldados da borracha foram recrutados para a guerra, se não tivessem vindo para a Amazônia teriam ido lutar na Segunda Guerra Mundial e que, como já foi dito, o governo federal prometeu recompensá-los, segundo eles, muito bem depois que guerra terminasse, como já foi dito, e mandá-los de volta a sua terra assim que tivessem cumprido sua missão aqui na Amazônia, o que obviamente nunca aconteceu.
   Quando as atividades que os “Soldados da Borracha” desempenhavam na região – a extração do látex – não representavam mais nenhuma expectativa de melhores condições de vida os que puderam e que ainda aspiravam ao sonho da grandeza econômica procuram como destino para migrar áreas de atração. Portanto, no primeiro momento do processo migratório na região a migração rural não ocorreu em direção a sede do município, mas sim, para outros centros mais desenvolvidos da região, principalmente as cidades de Manaus e Belém do Pará, em função de que esses centros apresentarem maior oferta de trabalho. A cidade de Envira era para a grande maioria da população ribeirinha ou rural uma área repulsora, pois não oferecia perspectivas de vida além daquela dos seringais. Assim, em função desses e outros fatores, como a quase que total ausência do Estado, em temos de políticas públicas para a região a cidade não atraiu a população rural nem viabilizou sua fixação impedindo o seu deslocamento para ouras regiões. 
O processo migratório, no primeiro momento, não teve como destino o núcleo urbano do município e sim os grandes centros urbanos regionais. O município não adquiriu estrutura econômica e política capaz de conter a marcha migratória devido, principalmente ao desleixo e relaxamento do poder público nacional, regional e local diante do caos econômico e social em que se transformou a região após o fim do comércio da borracha e da escassez dos produtos extrativos.
No segundo momento do processo migratório – se bem que a migração nunca parou de ocorrer naquele período e os momentos aqui analisados se referem ao destino e causas da migração – constata-se um deslocamento populacional direcionado para a sede do município a partir do final da década de 70, dos anos 80 e posteriores. É importante ressaltar que na década de 80, com o fechamento dos seringais a população rural aumentou o ritmo do deslocamento para a sede do município em busca de melhores condições de vida. Tal ocorrência se deu devido a vários fatores, determinantes nesse processo além daqueles, é claro, de maior relevância já frisados no início deste capitulo, que foram os fatores econômicos.
A partir dos anos 80, constata-se um tímido avanço no quadro econômico, mas incapaz de viabilizar qualquer desenvolvimento significativo no âmbito econômico e social. Por outro lado, a situação das populações ribeirinhas piorava a cada ano, principalmente no que se refere à questão econômica, política e social respectivamente. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da região ganhava proporções desastrosas tanto na zona urbana quanto na zona rural. O estado de carência instalado na zona rural conferia com as atividades oferecidas à população e com o grau de instrução. Além da humilhante situação econômica vale ressaltar o não menos alarmante sistema de saúde e educacional. Nessas condições, a grande maioria da população rural emigrou para a zona urbana do município, não que esta oferecesse boas condições da vida, mas que na zona urbana havia algo a mais que na zona rural: um hospital, escolas e um pequeno comércio e visto que ir para um centro mais desenvolvido, sem estudo, sem profissão, confiar apenas na sorte era correr o risco de ir somar-se ao número dos que já compunham o quadro dos graves problemas sociais das grandes cidades. Mesmo assim, muitos correram esses riscos. O fato é que, sem saída, a população começou a se deslocar para a sede do município, num movimento centrípeto, em busca de educação, saúde trabalho, enfim, de melhores condições de vida.
No seringal, antigas unidades produtoras de borracha e onde a vida econômica se processava na região, antes da depressão, a situação era bastante deprimente. Era tudo muito difícil. A realidade lhes exigia mudanças. Mudança no estio da vida, nas atividades produtivas, na qualificação profissional, etc., aspectos mais urgentes para enfrentar as novas exigências com que se deparavam no novo ambiente e as necessidades da vida moderna. Foi a partir dessas necessidades e de outras distintas e particulares, próprias dos ribeirinhos que ocorreu o processo migratório mais intenso (relatos de políticos da região e de ex-seringueiros).
O acentuado empobrecimento da população ribeirinha, verificado com maior intensidade a partir das décadas de 70 e 80, com a decadência das atividades extrativas, levou a uma fuga em massa da população rural em busca de locais onde houvesse um mínimo de infraestrutura básica e social e que oferecesse alguma alternativa econômica além daquelas existentes na zona rural.
No segundo e terceiro momentos do processo migratório, conforme foi dividido este estudo, o processo de deslocamento populacional, considerando as áreas de atração e repulsão, teve como destino, para a maioria dos migrantes a sede do município que é vista, nesse período, como um local de atração, em virtude do maior dinamismo da infra-estrutura básica e social.
Os seringais foram esvaziados, as colocações foram abandonadas.
A miséria instalada, causada pela falta de alternativa econômica, segundo informações dos ribeirinhos, expulsou a grande maioria da população rural para a cidade, não que esta oferecesse políticas de apoio social ou econômico, mas que em se comparando com o quadro socioeconômico verificado nos seringais a vida na cidade levava uma ligeira vantagem, principalmente em se tratando de educação, saúde e comércio este último um pouco mais acessível do que aquele praticado na zoa rural pelos regatões (até a década de 80, de acordo com alguns ex-seringueiros, o regatão ainda era o principal elemento que representava o comércio na zona rural).
Vale ressaltar que a migração rural trouxe vários problemas para a cidade. Muitas famílias vindas da zona rural tornaram-se ainda mais carentes do que eram em suas antigas colocações. Alguns de seus filhos passaram a trilhar por caminhos bem diferentes daqueles onde viviam: alcoolismo, prostituição, vadiagem e outros infortúnios da vida, fato que contribuiu com o aumento do número de desocupados e do índice de pobreza e miséria no perímetro urbano. O inchaço populacional fez surgir problema de natureza socioeconômico, pois a cidade não tinha estrutura para receber um número de pessoas maior do que sua capacidade estrutural permitia. Assim, o sonho de muitos que tinham expectativas de melhorar de vida foram arruinados e seus problemas se multiplicaram. Sem profissão, sem estudo, ou qualquer outro preparo ou formação que possibilitasse encontrar novas alternativas econômicas muitos foram condenados ao trabalho de aluguel, a mendigar alguma atividade ou produto para o sustento dos seus dependentes. Outros, inconformados com tal situação e pela falta de oportunidades e, sobretudo, pela falta de políticas públicas voltadas especificamente para a região e que favorecesse o desenvolvimento econômico e social tiveram que voltar para a zona rural e esquecer o sonho de oferecer uma vida melhor para seus filhos, de conseguir assistência médico-sanitária e da diversificação no consumo coisa que, na época, eram quase impossíveis de se obter na zona rural (informações dos moradores mais antigos que residiam na zona rural). Dessa forma, o êxodo rural, decorrente da decadência do comércio da borracha e das atividades extrativas, bastante acentuadas na década de 80, ao mesmo tempo em que houve uma tímida dinamização, por parte da administração pública local com relativo apoio do governo estadual, levou a mesma administração a redimensionar sua atuação também para as áreas rurais na tentativa e garantir a fixação do homem em seu ambiente e evitar graves problemas na cidade, devido ao êxodo rural, fomentando a produção agrícola (Enciclopédia da Amazônia Brasileira). Mas, tal iniciativa rendeu poucos frutos e não evitou o deslocamento da população que continuou fugindo da miséria e do abandono em que vivam em busca de uma vida melhor. Os incentivos e o apoio técnico e financeiro foram insuficientes diante do estado de penúria então instalado na zona rural.