quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

DONA MARIA: UMA AUTENTICA HEROINA

Historia
Foto 01: Dona Maria em sua casa.
Fonte: João Lazaro e Francisco Fonseca

Nascida no ano de 1933, no município de São Filipe (atual município de Eirunepé) estado do Amazonas, Dona Maria Rodrigues da Silva, foi uma das bravas mulheres, que atuou efetivamente na extração do látex. Sua saga teve inicio aos quinze anos de idade quando começou a cortar seringa ajudando a irmã mais velha que por sua vez ajudava o pai, fato que lhe rendeu a alcunha de “Maria Seringueira”. 

Dona Maria, como é carinhosamente chamada, enfrentou os perigos da floresta, quando ainda criança, num ato de verdadeira bravura e patriotismo num cenário hostil onde se expunha aos perigos de feras, insetos, doenças, acidentes e aos fenômenos naturais.Saia de sua humilde casa antes do alvorecer guiada pela poronga. 

Seguia a estreita vereda feita na floresta que a levava de uma a outra seringueira. Embrenhava-se nas matas trilhando uma vereda de forma oval no seio da floresta, sangrando as árvores para extrair o líquido precioso da seringueira para produzir borracha. Sua labuta se desdobrava em várias tarefas: raspava, cortava e colhia a estrada de seringa, trabalho cansativo que lhe exigia coragem, esforço e habilidade, pois para cortar seringa é preciso ter certa técnica para não maltratar as árvores. O corte tinha que ser preciso, na veia onde corre o leite alvo como a aurora e precioso como o diamante, pois era dele que sobrevivia, tirava o seu sustento e de sua família. 

Dona Maria, em sua rotina diária na floresta, estava sempre na lida exposta aos perigos, caminhando, de quando em vez, com uma escada nas costas, uma faca de seringa, um balde, facão e, às vezes, uma espingarda. Seguia estrada afora ouvindo o ranger das árvores, o canto dos pássaros, o som estrondoso das sapopembas e, o alarido de seres estranhos num ambiente sinistro, tenebroso, mas de vário encanto de uma profunda sensação de medo, mas também de aventura e sossego.
Foto 02: Os perigos da floresta, animais ferozes.
Fonte: Internet.
Sua atividade como seringueira perdurou por quase toda a sua vida. 

Começou aos quinze anos, pois gostava do oficio. A vida como seringueira começou quando morava na comunidade Esperança, no seringal Foz de Envira. Depois, quando casou cortava para ajudar o marido. Vivia da extração do látex, não era uma vida fácil. 

Os seringalistas, na sua maioria portugueses que se consideravam donos da terra, pois ainda carregavam na mente a ideia de “descobridores”, atuavam como verdadeiros coronéis impondo sua própria lei. A borracha era a principal atividade econômica que ostentava o poder dos patrões (seringalistas) que tinham o poder da lei, eram absolutos tinham o domínio politico, jurídico e econômico.

Dona Maria nunca frequentou a escola, sua atividade não permitiu que estudasse. Trabalhava o dia todo antes do Sol raiar saía para sangrar as seringueiras quando fechava o corte voltava colhendo o leite (látex), quando chegava já era tarde, ai então ia defumar (processo de construção da borracha) e, também, não havia escola onde morava. Nessa época escola era coisa rara, só havia alguma escola nas sedes de alguns seringais. As colocações eram distantes umas das outras, andava-se horas até encontrar alguma casa. 

O trajeto era feito pelo rio, por meio de canoa, a remo, ou pela floresta através de caminhos abertos na mata.
Foto 03: Floresta onde havia as estradas de seringa.
Fonte: internet.
Sua adolescência e juventude se resumiram a atividade gomífera dedicada ao sustento da família. Quando casou, Dona Maria continuou sua atividade cortando seringa para ajudar o marido. Tempos depois seu marido veio a falecer, então Dona Maria se dedicou ainda mais, agora com a ajuda dos filhos, com a extração do látex para sustentar sua família. Assim, produziu muita borracha para os seringalistas. Nessa época o comercio era feito na base de trocas: o seringueiro fabricava a borracha e, de quinze em quinze dias, mais ou menos, levava o produto para a sede do seringal onde era pesado e trocado por mercadorias, geralmente os patrões não pagavam a dinheiro. 

Esse processo, de troca, fazia com que o seringueiro sempre ficasse devendo, era uma forma de prender o seringueiro ao seringal, não deixar que fosse embora, pois tinham que trabalhar para pagar a conta. Isso fazia com que os seringueiros se sentissem presos aos seringais, era uma prática comum dos coronéis de barranco. Em virtude do processo de subversão e exploração dos seringalistas com os seringueiros a borracha, muitas vezes, era vendida para o regatão – que era uma espécie de comerciante que circulavam pelos rios comprando produtos do látex e constituía-se no terror dos coronéis de barranco. 

Dona Maria, submetida à exploração dos seringalistas não ficou imune a esse processo, vendia borracha para o regatão que também pagavam pouco, mas era uma forma de obter dinheiro e suprir as necessidades imediatas de sua família. Dona Maria, cortou seringa até o fim do comercio da borracha na região que durou até por volta do inicio dos anos 80. Após esse período, Dona Maria, já cansada, foi morar na cidade, onde anos mais tarde se aposentou, ganhando um salario mínimo. Parou de cortar porque a borracha não estava dando mais dinheiro, os seringais acabaram, os seringalistas foram embora ou morreram e seus herdeiros foram embora também, abandonaram ou venderam os seringais. 

Dona Maria gostava de cortar seringa, começou cedo ajudando a irmã mais velha e gostou do oficio, então só parou quando já não era mais viável o comercio da borracha e suas forças já não eram as mesmas de antes, mas criou seus filhos com o suor do seu rosto, derramado sobre a folhagem marrom e ressecada que caiam das árvores, servindo de tapete para seus pês. No caminhar na penumbra da floresta densa aonde a noite chega mais cedo e o dia amanhece mais tarde, pois a formação verde impede a penetração da luz do Sol na floresta densa.
Foto 04: Floresta onde havia as seringueiras.
Fonte: Internet.
 Cortar seringa é uma tarefa árdua, além de coragem exige também preparo físico, saúde e persistência. Dona Maria, andava horas e horas todo dia pela mata sangrando as seringueiras. Depois voltava colhendo o látex, processo que também demorava bastante tempo. Era preciso recolher o leite em um balde ou um saco encalchado, carregando durante horas até chegar no defumador. Lá o látex era despejado em uma bacia. Depois iniciava-se o processo de fabricação da borracha: o leite era derramado sobre um molde – o principio – um cilindro que girava através de eixo e preso a argolas penduradas em cordas, assim o látex era jogado em cimo do cilindro e girado com rapidez sobre uma fornalha de boca estreita expelindo bastante fumaça onde o leite coagulava formando uma capa em volta do cilindro. Depois era cortado e retirado do cilindro e enrolado em um bastão resistente o qual ia se transformar na famosa borracha de seringa. 

Quando a borracha atingia um tamanho considerável, depois de quinze ou trinta dias, era levado para a sede do seringal, era a quinzena. Lá a borracha era pesada e tarada, ou seja, o seringalista descontava uns quilos, pois se a borracha fosse nova ia perder peso, pois continha agua e esta era evaporada.

 A borracha era colocada ao sol para secar até atingir o estado ideal para ser comercializada pelos seringalistas.A atividade de extração do látex, na época, era exclusiva de homens, pois era considerada perigosa, exigia força e coragem. Havia muitos perigos: cobras, insetos, onças, tempestade, o risco de se perder na mata, índios, a solidão no seio da floresta e as intempéries dos fenômenos naturais como o frio, a chuva o sol, as enchentes, entre outros. Também era preciso força, pois o seringueiro tinha que carregar um balde, um facão, uma espingarda, uma estopa com o saco de leite e a faca de seringa. Assim andava Dona Maria uma autentica seringueira, cheia de brios, garbo, coragem, destemida e contente pelo oficio que realizava com orgulho.
Foto 05: Seringueira.
Fonte: Internet.
Pela sua bravura e coragem 

Dona Maria se enquadra no grupo dos grandes heróis anônimos, pessoas que lutaram com dignidade para sobreviver e engrandecer o seu país, porem, não tiveram o reconhecimento que mereciam. Dona Maria é mais uma das grandes heroínas esquecidas pela sociedade, mas lembrada com orgulho pela família e pelos que tem a sensibilidade de valorizar aos que contribuíram honrosa e grandemente pelo desenvolvimento do país onde vive e pela sociedade da qual faz parte.

Dona Maria, vive com sua família, filhos e netos, em uma casa simples, mas com dignidade ciente de ter cumprido o seu papel como filha, mãe, esposa, trabalhadora e como pessoa.

Joao Lazaro Epifanio

Francisco Fonseca