2 – O CONTEXTO NAS DUAS PRIMEIRAS DÉCADAS APÓS A CRIAÇÃO DO MUNICIPIO (1960-1970).

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ara tratar de uma realidade tão complexa é preciso fazer uma análise, ainda que breve, do cenário político, econômico e social no âmbito nacional e regional nas décadas de 1960 e 1970, pois é a partir dessa análise que podemos ter um maior entendimento do contexto municipal daquele período.
Frente da cidade - Praça 19 de Dezembro
Desde a colonização portuguesa na América a Amazônia sempre foi vista como uma região periférica em relação ao pólo colonizador dominante e sempre despertou pouco interesse aos dominadores ou donos do poder, tanto do ponto de vista da colonização (Portugal) quanto do ponto de vista político e econômico para o pólo dominante do Brasil, devido principalmente às condições geográficas, a penetração e a dificuldade de exploração da região, (LIMA, 1978).
Com o fim do domínio português (1822) a região do atual estado do Amazonas ainda permaneceu, durante muitos anos, sob o domínio do Pará ou Grão-Pará. O Amazonas só alcançou a sua emancipação política a partir de 1850 quando passou a condição de província.
O período que sucedeu até o fim do Segundo Reinado e grande parte do período Republicano permaneceu num estado de profundo abandono, por parte do pólo nacional dominante, desintegrada do resto do Brasil quase que por todos os meios de integração, seja política, econômica ou social e, portanto uma região com pouca expressão no cenário nacional.
O processo político anterior e durante a fundação do município de Envira passava por grande agitação, no cenário nacional, por conta do jogo político usado para obter ajuda das massas e conseguir a simpatia de grupos econômicos para a permanência ou decadência de certos grupos políticos no contexto político que se inicia a partir de 1945 (Beiguelman). No final da década de 1950, as agitações políticas agravaram-se e a situação encaminhava-se para uma guerra civil, devido aos rumos que tomava a política nacional. Paula Beiguelman comenta que “a primeira eleição presidencial, em 1945, onde o PTB se constituíra como partido de massas, sustentado pela outorga de legislação trabalhista de Getúlio Vargas, o que acarretou, a partir daí, uma série de crises políticas nos períodos que se seguem até o blesbicito de 1961”. Essas agitações políticas que conturbaram a vida da política nacional também refletiram na política regional causando sua estagnação e dificultando o seu desenvolvimento no cenário municipal.
Sobre esses aspectos OLIVEIRA E GUIDOTTI, comentam: “O cenário nacional no final dos anos 60, apresentava uma burguesia nacional e regional tranqüilizadora pela instauração de um regime militar repressivo que a salvou do terror comunista... fato que causou profundas mudanças no quadro político do país instalou-se o terror, todos os movimentos são sufocados e todos os partidos políticos são extintos “(2000, p. 06)”.
Sobre o contexto regional ressaltam os mesmos autores acima citados: “O cenário regional amazônico diferia apenas em função do menos dinamismo socioeconômico e do isolamento da região em relação ao pólo dominante do país. Um cenário de economia deprimida após a derrocada da efêmera prosperidade da economia gomífera e o reflexo das populações dos seringais” (2000, p. 07).
É nesse contexto que se iniciam os primeiros mandatos constitucionais no município e Envira e, conforme situações instaladas no cenário regional e nacional estiveram ligadas, de alguma forma, à ditadura militar e às oligarquias tradicionais dos donos dos seringais que movimentavam a economia da região, fato que determinou a relação da administração pública com a sociedade local. Além do mais, a construção da política municipal teve como referencia a ideologia na qual se fundamentava a política nacional e estadual. A ação dos grupos políticos locais (municipais) não desempenhou um papel de interação ou integração, ou, até mesmo de conflito com a sociedade, fato que pode ser explicado pelo estado de abandono em que viviam (governo e sociedade) em relação à política nacional e estadual assim como a relação do poder público com a sociedade, que se estabeleceu apenas para sua permanência no poder não dando espaços para mudanças, mas atendendo cegamente aos ditames das oligarquias regionais, empenhados em propiciar a continuidade do esquema dominante de acordo com as instituições então vigentes.
Sobre esse aspecto, o da prática política brasileira, João Ubaldo Ribeiro, em “Políticas”, expõe muito bem o cenário político brasileiro quando comenta que no contexto político nacional e regional usam-se de práticas paternalistas, cabides de emprego, e o pior de todas essas práticas é o clientelismo, um fenômeno cruel que aliena, nega o direito de escolha e priva o exercício da cidadania, que sempre se pratica em relação a sociedade e a economia, tudo sempre terminando em algo para o governo resolver, seja no cenário federal, estadual ou municipal. Dessa forma, a própria sociedade inconscientemente contribui para a permanência dessas práticas, não que ela queira ou adote, mas por imposição ideológica, educacional e a pura inescrupulosidade política que, infelizmente, se pratica no Brasil.
No caso específico do município de Envira a política não desempenhou um papel através do qual os governos municipais pudessem desenvolver um trabalho voltado para favorecer o bem estar social próprio de seus esforços ou interesses, em função do caráter de dependência e de obediência do governo municipal às oligarquias regionais e, também, pelo estado de abandono em que vivia o município.
Colocação: zona rural do municipio
As políticas públicas desenvolvidas e aplicadas no município não permitiu que a população, de certa forma, se desenvolvesse ou evoluísse nas áreas econômicas, políticas e sociais, por conta do mau gerenciamento dos recursos públicos, dos privilégios admitidos a grupos distintos (as oligarquias locais) e a falta de interesse e compromisso efetivamente dos grupos políticos, locais e regionais, em promover o desenvolvimento da região.
Sobre o referido acima, OLIVEIRA E GUIDOTTI comentam: “Na Amazônia os governos estaduais e municipais ligados à ditadura, inclusive em decorrência de intervenções, e as oligarquias econômicas e políticas tradicionais dos donos dos castanhais e pecuaristas” (2000, p. 07). E no caso específico do município de Envira, dos donos dos seringais que ainda alimentavam uma mobilidade econômica proporcionada pelo comércio da borracha.
Quanto ao cenário econômico municipal, deprimido e pouco atraente, tinha a borracha como a principal atividade econômica, embora em algumas áreas já estivesse havendo um total desestímulo à referida atividade e certo interesse para a atividade agrícola, por conta da crescente desvalorização do comércio da borracha, tanto no que se refere à produção quanto na questão do preço do produto. No final dos anos 70, os seringais começaram a esvaziar-se de forma drástica fato que levou a um intenso processo de migração rural-urbana em busca de novas alternativas de vida na cidade.
A onda migratória que se instalou a partir de então provocou grandes problemas para os núcleos urbanos da região e do próprio município, piorando a já frágil economia e consequentemente o agravamento dos problemas sociais.
OLIVEIRA E GUIDOTTI, enfocando o quadro econômico regional em torno de 1970, comentam que era um cenário de economia deprimida... um artesanato e uma pequena indústria residencial urbana de âmbito local e regional”(2000, p.06). Em outro texto referindo-se ao cenário regional os mesmos autores ressaltam que “ a ideologia da Grandeza Nacional [pregada pelos militares] em cima da miséria e a esquizofrenia dos grandes projetos desenhados e implantados sem consultas às populações ... “(2000, p.07).
O quadro econômico municipal durante os anos 60 e 70 era bastante deprimente. A população vivia quase que exclusivamente do extrativismo vegetal e animal: caça, pesca e madeira.
No início da colonização portuguesa na Amazônia os colonos encontraram um grande número de gêneros comerciáveis na floresta. Sua coleta era feita pelos nativos, exímios na arte de coletar drogas na floresta e profundos conhecedores da região. Com o advento da borracha essa atividade ficou em segundo plano. Para se ter uma idéia da importância dos produtos extrativos vale lembrar que essa atividade movimentava quase todo o comércio da região amazônica, antes da borracha. A agricultura, pecuária e a indústria apareciam em proporções quase insignificantes.
Sobre a atividade de coleta dos produtos da floresta, Prado Júnior comenta sobre a importância da indústria extrativa nos seguintes termos: ”Ficou-se no conjunto e substancialmente nos gêneros espontâneos da floresta. Não podia tal atividade moldar-se aos sistemas de organização adotados para outras formas de vida... No vale amazônico, as formas de atividade se resumem praticamente a duas: penetrar a floresta ou rios para colher os produtos ou capturar o peixe; e conduzir as embarcações que fazem todo o transporte e constituem o único meio de locomoção...” (1997, p. 212).
O exposto acima se refere ao período colonial, mas essa referencia nos dá uma visão do aspecto econômico do município de Envira em fins dos anos 60 e 70, pois o referido acima se encaixa muito bem no contexto analisado. Após a extinção do comércio da borracha a atividade econômica voltou-se de imediato para a produção extrativa numa reportação ao antigo período (colonial). Nessa fase a floresta já não oferecia, com a mesma abundância, os produtos que outrora eram encontrados com a mesma facilidade. Ademais, não tinha a mesma aceitação de antes, a modernidade já os tornara ultrapassados dentro dos novos parâmetros das atividades comerciais.
Então, começou a surgir, embora em poucos lugares, uma tímida inclinação para a atividade agrícola e pecuária, mesmo desprovidos de recursos, assistência técnica para o manejo da terra e sem qualquer outro apoio de órgãos governamentais e não-governamentais.
Os grandes Projetos desenvolvidos e implantados na Amazônia, tendo como objetivo desenvolver a região em termos econômicos e promover a ocupação humana num processo de integração ao resto do país não chagaram a serem sentidos na região do município de Envira. O sonho da Grandeza Nacional idealizado pela Ditadura Militar não desenvolveu na região nenhuma mudança significativa que alterasse o estio de vida da população. Nenhum benefício foi sentido durante o período aqui enfocado nos âmbitos econômicos, político e social do município. O município de Envira manteve-se alheio a qualquer ação de políticas públicas de caráter federal, estadual ou mesmo municipal que possibilitasse promover o desenvolvimento da região.
No quadro social uma população mestiçada e iletrada formada basicamente por imigrantes nordestinos, flagelados da economia gomífera, gente simples de pouca instrução na sua maioria. O nativo teve pouca participação na composição do quadro social, isso porque na época de criação do município já não havia grande expressividade da população indígena na região. Sua presença foi mais sentia nos costumes, nos hábitos e na estrutura morfológica, pois os primeiros migrantes nordestinos já haviam absorvido grande parte da cultura indígena o que lhes facilitou adaptar-se melhor à região. O estilo de vida já modificado para a adaptação na floresta, estava impregnado pelos motivos indígenas.
TOCANTINS, (1982, p. 44), “A expansão no espaço geográfico a que se convencionou chamar de Amazônia, antigo estado do Grão-Pará e Rio Negro, está muito ligado à crônica das plantas e dos animais em que ela apoiou no esforço de sobrevivência, criando, nesse convívio, uma série de interrelaçoes. O homem subordinando-se à floresta, os rios, umas espécies vegetais às outras, os animais aos homens, estes aos animais, as planta aos seres humanos”.
Foi dessa forma que se formou um ciclo e interrelaçoes e interdependência transformando e preservando o meio pelo curso das gerações. Nesse aspecto a sociedade que se formou no município não diferia em muito das sociedades de todo o vale amazônico. A floresta com sua biodiversidade e seus mistérios, assim como a grandiosidade dos rios, eram os fatores que determinavam à permanência humana na região, por isso estavam em conflito permanente ao mesmo tempo em que estabeleciam uma relação de interdependência.

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