3-FORMAÇÃO SOCIAL: AS GENTES E SUA CULTURA. ________________________________________




Como já frisamos anteriormente a população do município de Envira era formada basicamente por nordestinos e seus descendentes, o elemento indígena aparecia em pequeno número e o europeu ainda em menor expressividade. Então a ocupação ocorrida pela migração nordestina deu-se em fins do século XIX e início do século XX e também por ocasião da Segunda Guerra Mundial, como já foi ressaltado em páginas anteriores. Antes, há indícios de que a região em estudo era densamente povoada por diversos grupos indígenas.
Vista aérea da cidade de Envira
A chegada dos nordestinos e a abertura dos seringais, na sua maioria pelos portugueses, que se consideravam donos da terra, provocaram a dispersão da população nativa. Muitos fugiram, outros (em grande quantidade) foram mortos, algumas tribos foram totalmente extintas e os remanescentes que, permaneceram na região, entraram em processo de deculturação pelas relações que foram estabelecidas com os “cariús” na luta pela sobrevivência ou pelo jugo imposto pelos seringalistas exploradores da região. É importante lembrar, também, que muitos grupos indígenas não tiveram contato com os colonizadores e com os nordestinos, nem foram subjugados pelos “coronéis de barranco”, mantiveram-se longe de qualquer relação ou contato com os brancos, outros mantiveram contato, mas não perderam suas tradições nem a sua cultura.
Um ex-seringueiro, soldado da borracha ressalta o seguinte: “Tivemos que aprender a andar na mata com os índios, eles conheciam tudo na floresta, muitos não gostavam da gente e nem a gente deles. Eles carregavam [roubavam] as nossas coisas, a gente nunca sabia quando eles iam aparecer, matamos muitos deles, mas também aprendemos muitas coisas que eles faziam” (José, entrevista em 10/11/2004).
A ocupação pelos nordestinos de boa parte da região se deve a extração do látex, notadamente durante a primeira leva que chegou a região, no processo de fuga da grande seca que ocorreu no Nordeste no final do século XIX, e durante a Segunda Guerra Mundial. Como já foi dito anteriormente a ocupação da região do atual município de Envira ocorreu a partir do final do século XIX e a primeira metade do século XX, mas de forma muito irregular e dispersa, principalmente por ocasião do período áureo da economia gomífera. Com a decadência do comércio da borracha muitos nordestinos retornaram a sua terra natal ou migraram para as cidades da região – nessa época o município de Envira ainda não tinha sido fundado.
A ocupação que mais influenciou na formação social do município de Envira foi a que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, considerada a segunda leva da migração nordestina, que foram os “Soldados da Borracha”, recrutados por ocasião da Segunda Guerra Mundial para a Amazônia com a finalidade de produzir borracha para alimentar a guerra, pois os seringais da Malásia e região estavam dominados pela Alemanha e seus aliados.
Foram os “Soldados da Borracha” que deram à tônica da dinâmica populacional e econômica do município de Envira, os principais responsáveis pela formação da sociedade envirense e dos motivos nordestinos no município, foram eles que deram à região o imperativo cultural que caracteriza o quadro humano nessa parte da Amazônia.
Segundo Arthur Reis, com a chegada dos nordestinos tomava alento uma nova cultura e um novo elemento humano. “A multidão primitiva perdera expressão” (1997, p. 270). Novas formas de expressões foram se definindo para nomear as atividades que desempenhavam e manter uma comunicação característica, peculiar da região. Foi assim que surgiram algumas expressões típicas como: “cuiê a estrada”, “percurar”, “asturdia”, "atrudia", "ternantonte", ternanteonte", “brocar”, “queba-jeujum”, “colocação”, “o rii ta dano ua aguazinha”, “arrumá rancho”, "agé", "ripiquête", "taiá", "brocar", "maluvido", "rodo da estrada", "esperar no barreiro", "mexer com...", "defumador", "principio de borracha", "dá uma volta no lago ou no rii", "fecho da estrada", "fazer aviação", "fazer a quinzena", "amêã", "jamachim", "cumbuca", "tapiri", "fazer rosca", "embixeirar", "ir no mato", "tomar um trago", "alto", "caçueira", "bater caniço", "munquem", "tratar o peixe", "fazer a boia", "mateiro", "balseiro", "chibé", "jacuba", "raso", "purão", "adijunto", "correr a estrada", "tirar a tara", "vará a estrada", "oito da estrada", "manga da estrada", "espigão da estrada", "arigó", "brabo", "teimoso", "ora veja", "isbregue", "coçar as costelas", "rói-rói", "cintina" e uma série de outras expressões tão comuns nas áreas desbravadas pelos nordestinos, e que foram transferidas para os centros urbanos da região. Para sobreviver aos perigos da selva amazônica foi imprescindível aos nordestinos aprender muito dos conhecimentos indígenas e aplicá-los á sua vida cotidiana. Sem esses conhecimentos era quase impossível sobreviver no meio da imensidão do complexo amazônico, (relato de um soldado da borracha).
Assim, desde o início da ocupação nordestina, durante a primeira leva de migrantes, foi sendo estabelecido um intercâmbio cultural ente índios – os que ainda permaneceram na região e aceitaram manter relações com os brancos e com os negros - e os nordestinos. Dessa troca é que se criou um estoque cultural mestiçado, resultante de três elementos atribuídos à sua formação: o indígena ou nativo; o europeu (português) que apesar de ser invasor também deu a sua contribuição para a formação da cultura local, pois grandes partes das terras que formavam os seringais pertenciam a eles e, estes, deixaram muitos descendentes e sua influência expressada na língua, nos hábitos, na religião e na formação da sociedade e por último os nordestinos, esse último inclui-se também o elemento negro, pois nessa região não houve escravidão negra. Os negros vieram juntos com as levas de migrantes nordestinos ou fugindo da escravidão das regiões Nordeste e Centro – Sul do Brasil.
É importante ressaltar que a cultura negra já estava presente nos motivos nordestinos, pois o único elemento aqui absorvido pelos nordestinos foi o indígena, já faziam parte da formação cultural e social dos migrantes (hábitos, costume, língua, religião e os caracteres hereditários). O que houve realmente foi uma adaptação da cultura ao novo ambiente, ao novo estilo de vida e às novas atividades que teriam que desempenhar na região, (relatos de ex-soldados da borracha).
              A mistura entre indígenas e não - indígenas não ocorreu nas mesmas proporções de outras regiões do Brasil e/ou da Amazônia Brasileira. Esta afirmação se justifica pelo fato de que durante a ocupação nordestina na região, onde foi criado o município de Envira, ouve uma fuga em massa da população nativa para lugares onde o homem branco não pode penetrar naquela época com os recursos que dispunham, ou, foram exterminados pelas armas e pelas doenças trazidas pelos brancos. Dessa forma, restaram poucos grupos indígenas na região, fator este que não favoreceu a ligação marital entre os dois grupos (indígenas e nordestinos). Vale lembrar, também, que havia uma aversão muito forte entre índios e nordestinos, (relatos de ex-soldados da borracha). Os hábitos e os costumes indígenas causavam repúdio aos cariús (assim os nordestinos eram chamados, ou seja, os não - índios pelos índios), além da difícil comunicação entre eles. Esses fatores não favoreceram o processo de miscigenação entre os indígenas e os “Soldados da Borracha”. Então, os motivos nordestinos (notadamente o tipo físico) predominaram na região constituindo-se a base da formação social e cultural. Sendo que a origem da população do município de Envira é constituída quase na sua totalidade por nordestinos. É evidente que existem muitos descendentes de indígenas, pessoas com traços físicos que se assemelham aos nativos, mas não tão intensos como em outras regiões do estado como no médio e baixo amazonas e rio negro, por exemplo.
A presença nordestina no município de Envira é tão forte que pode ser percebida nos hábitos, nos costumes, no vestuário, no tipo físico, em fim, nos aspectos culturais e nos aspectos da vida da população.
Os ribeirinhos, a quem se convencionou chamar as populações que habitam os vales dos grandes rios da região e os de seus afluentes, desenvolveram ao longo dos anos, uma forma própria de sobrevivência, seja através do nativo que lhes forneceu o conhecimento sobre a imensidão verde, da relação conflituosa com o meio ambiente ou através da rusticidade de suas ações. Assim foi sendo criada uma nova estrutura cultural em torno das grandes unidades monocultoras – o seringal – explorada, organizada e trabalhada pelos nordestinos.
É inegável a profundeza de suas raízes na população do município que apresentam características muito fortes em todos os aspectos da vida cultural e social da sociedade local. 
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