7 – ENVIRA: ÚLTIMAS DÉCADASA DO SÉCULO XX.

                                                                   ÊXODO RURAL.
Devido às dificuldades econômicas, a falta de condições básicas de saúde e educação mais e mais seringueiros abandonaram a floresta num grande êxodo rural, onde muitos foram viver nas periferias das cidades da região, sendo que a miséria só continuou a crescer. Vale ressaltar que para promover a permanência do homem na floresta várias medidas foram tomadas, mas nada substancial que conseguisse resolver o problema do êxodo rural.
O


que temos apresentado até agora neste estudo é uma narrativa do processo histórico do município de Envira, enfatizando os principais elementos de sua formação. Os relatos e depoimentos das pessoas que participaram e assistiram o processo de criação do município de Envira e a construção de sua sede constituiu-se, portanto, como testemunhas oculares, nos levam a constatar um panorama social quase estacionário, principalmente no que se refere ao aspecto político e econômico e, do ponto de vista social, excluída, fato já comprovado por diversos estudiosos da região amazônica. PONTES FILHO, (2000, p. 2003), comenta: “O quadro social da Amazônia revela a face de uma população historicamente excluída”. É justamente esse quadro lamentável que se enquadra à sociedade do município de Envira em quase todo o seu percurso histórico, talvez até mais intenso que o quadro social de outros municípios do Amazonas ou mesmo da Amazônia, pois a região do vale do Rio Juruá, segundo as estatísticas, é a que apresenta o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado do Amazonas e um dos mais baixos do Brasil.
Prefeitura Municipal

O agravamento da situação econômica, com o fim do comércio da borracha, o alto índice de analfabetismo, a escassez dos produtos naturais e o êxodo rural ocasionando a degradação social na cidade foram decisivos para que as administrações públicas locais com relativo apoio do governo do estado do Amazonas tomassem algumas providências, embora pouco expressivas, diante do caos que se instalou, na tentativa de amenizar a situação o que, obviamente, diante do gritante quadro de miséria e do insignificante volume de recursos aplicados (humanos e financeiros) não melhorou a situação, pelo menos é o que se constata a partir das informações obtidas com o estudo sobre a situação econômica do município nas últimas décadas do século XX.
“Com o fim do comércio da borracha, no município, nos ficamos sem saber o que fazer, a seringa era o nosso sustento, prantar e criar era muito difícil porque não tinha quem comprasse! Então ficamos na miséria, o jeito foi abandonar o seringal e vim pá cidade vê se aqui arrumava trabai, mas aqui também as coisas era muito difícil” (Sebastião, entrevista concedida em 12/06/2004).   
O quadro educacional e de saúde conferia com a situação socioeconômica: precariedade dos serviços médicos, do saneamento básico, das escolas e do nível educacional e falta de ocupação etc., além das péssimas condições habitacionais, (a situação da população atingiu um quadro alarmante quando a borracha deixou de ser o principal produto que movimentava a economia da região, então se instalou um quadro de miséria que expulsou a maior parte da população de seus locais de origem, na zona rural, para a cidade).  
Tal situação levou a população a promover mudanças no quadro político local. As mudanças ocasionaram algumas transformações na definição e aplicação das políticas públicas no município e no gerenciamento dos recursos destinados aos programas de desenvolvimento socioeconômico do município. O novo grupo político buscou, no início, adotar uma nova ideologia na instância política municipal com uma visão mais real da realidade, baseada num contexto mais amplo, evidenciando os terrenos social e econômico. Porém, anos mais tarde esse mesmo grupo que causou certa aversão e repúdio ao grupo político anterior absorveu e foi absorvido política e ideologicamente pelas oligarquias local e regional, dando origem a formação de um novo grupo político o qual deu início a uma trajetória de revezamento no comando da política local no período que se inicia na década de 80 e se prolonga pelo limiar do século XXI, tendo como uma de suas  características, como não é de se estranhar, o paternalismo e o clientelismo orientados por uma doutrina populista e pelo sistema oligárquico.
No entanto, foram percebíveis algumas mudanças, até certo ponto significativas, no âmbito socioeconômico. Algumas melhorias foram evidenciadas em certos setores de desenvolvimento, como educação, saúde, comércio e agricultura que contribuíram para que o município começasse a surgir no cenário regional com uma nova vocação econômica: a atividade agrícola. É nesse setor que os esforços foram concentrados, na tentativa de encontrar uma nova alternativa econômica para o município e, principalmente na área rural como forma de conter o deslocamento da população em direção à zona urbana do município.
No início dos anos 80, a borracha ainda era o produto – rei em torno do qual giravam as atenções na esperança de reviver os bons tempos da economia gomífera. Antes de promover o incentivo à produção agrícola a administração pública local, através de alguns esforços junto a órgãos nacionais ligados a questão da borracha, tentou revitalizar a extração do látex, carro–chefe da economia local até então e atividade com mão de obra qualificada e abundante na região não carecendo de cursos profissionalizantes para exercer o ofício.
Os esforços concentrados para revigorar a referida atividade resultaram na construção e uma miniusina para atender os seringueiros da região do entorno da cidade no beneficiamento do látex, evitando a defumação de peles ou bolas que era um processo muito tradicional e bastante rudimentar e através da miniusina ganhou uma versão mais atual e maior facilidade no beneficiamento que foi a folha fumada, mais fácil de ser comercializada, (o látex era defumado em moldes que o transformava em bolas bastante densas, era o processo tradicional. A folha fumada foi outro processo aplicado ao látex para ser comercializado). 
Também foi implantado na sede do município um posto da COBAL (Companhia Brasileira de Alimentos) com total apoio da Sudhevia, órgão responsável pela política de extração do látex ou atividade gomífera do governo federal em parceria com a Prefeitura Municipal. Era uma meta do governo federal, por meio da Sudhevia, revitalizar o comércio da borracha em várias regiões da Amazônia, principalmente onde a extração do látex ainda constituía a principal atividade da população.
No entanto, esses esforços não foram suficientes para manter a atividade da economia gomífera em função da política de preços e por conta do esgotamento dos seringais. Anos mais tarde a produção de borracha no município chegou finalmente a sua total extinção, assim como a COBAL e a Sudhevia que saíram definitivamente do município.
Nessas condições em que a população via ir a cabo suas esperanças de revitalização do comercio da borracha as atenções da elite dominante voltaram-se para a atividade agrícola, como alternativa econômica para o município.
“A instalação da miniusina não despertou muito interesse das pessoas para a produção da borracha, principalmente por causa do preço que era muito baixo, não dava pra viver daquilo, por isso é que acabou. Já a COBAL foi muito bom no início, depois já não atendia mais aos nossos interesses” (José, entrevista concedida em 02/07/2004).
Dessa forma, dois caminhos estavam traçados para o futuro do município: a miséria, que se apresentava em proporções ainda piores que antes, ou a atividade agrícola, atividade essa que já estava sendo desenvolvida em algumas áreas do município. Nesse período já havia algumas pessoas que viviam da produção agrícola, pelo fato de que o comércio da borracha já não atendia mais suas necessidades, por conta da insignificância dos preços pagos ao produto. Diante desses fatores várias pessoas passaram a produzir farinha de mandioca, milho, arroz etc., e desenvolver a prática da pesca, alem de seu consumo para vender o excedente e, dessa forma, garantir o sustento de suas famílias, (fatos relatados por várias pessoas para explicar a situação após o fim do comércio da borracha e outras atividades que tiveram que desenvolver para garantir sua sobrevivência). Assim, criou-se um espaço para a elaboração de planos de ação direcionados ao setor agrícola com alguns incentivos e a garantia de compra dos produtos, (relatos de alguns ribeirinhos). Tal iniciativa despertou o interesse de parte da população, principalmente dos ribeirinhos, em praticar atividades que já vinham sendo desenvolvidas há algum tempo para sua sobrevivência no ritmo e com a técnica dos nativos.
Nesse cenário a agricultura surge como a principal alternativa econômica para o município, mesmo praticada de forma rudimentar, do tipo extensiva, sem preparo do solo ou qualquer técnica agrícola de produção. Vários fatores contribuíram para o continuísmo da prática agrícola tradicional própria da região, como as grandes distâncias geográficas, o regime fluvial e pluviométrico, falta de vias e meios de escoamento dos produtos – quando estes eram produzidos distantes das margens dos rios – apoio técnico, mercado consumidor, isolamento social e a dispersão humana na gigantesca floresta, como ressalta TOCANTIS, (1982, p.154) “... sem receber o mínio que a civilização pode oferecer transmitindo de pai a filho a herança da rotina, das técnicas de trabalho defeituosas e absoletas”.  Esses fatores e as circunstâncias tornaram os ribeirinhos completamente despidos dos conceitos modernos de desenvolvimento, ou seja, o homem ainda se encontrava incondicionalmente ligado ao extrativismo do látex e as imposições do meio natural.
A situação de subdesenvolvimento da Amazônia levou o governo federal, em 1953, a criar a SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia), que mais tarde foi substituída pela SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia). Esses órgãos tinham como objetivo desenvolver a região economicamente e promover a sua ocupação humana, programas que ficaram conhecidos também como processo de integração da Amazônia ao resto do Brasil.
Durante o período militar a Amazônia era vista como uma área de segurança nacional, por isso os governos daquele regime elaboraram vários projetos que visavam proteger e ocupar a região, temendo a cobiça internacional e os rumores do governo dos EUA em tornar a Amazônia uma área internacional. Orientados pelo sonho da Grandeza Nacional os governos militares criaram os chamados “Grandes Projetos”, como por exemplo, o Projeto Calha Norte, a Zona Franca, a Transamazônica, a Perimental Norte e outros projetos que foram implantados na Amazônia com o fim de desenvolvê-la, conforme pregava a ideologia do Regime Militar, como segurança.
Segundo PONTES FILHO, (200, p. 190), “O governo militar considerava preocupante o vazio demográfico e o isolamento econômico da Amazônia ante aos crescentes interesses internacionais, fortalecidos com a associação da burguesia nacional a grupos estrangeiros, os quais se empenhavam em viabilizar uma estratégia que lhes permitisse tirar proveito das riquezas minerais da região”.    
Dentre esses planos ou projetos criados para promover o desenvolvimento e a ocupação da Amazônia destacou-se a Zona Franca de Manaus (ZFM) que sozinha tornou-se a principal responsável pelos investimentos e pelo processo de desenvolvimento econômico de quase toda a Amazônia Ocidental.
No âmbito estadual também foram desenvolvidos planos econômicos objetivando o desenvolvimento da região, com, por exemplo, o PLANAMAZONAS (Plano Estratégico do Desenvolvimento do Amazonas), apresentado em 1994, “Projetava suas atividades e ações até o ano de 2000, com investimentos estimados em U$ 3,14 bilhões, aplicados em cinco prioridades estratégicas: Meio Ambiente, Infra-estrutura, Distrito Industrial da ZFM, Formação de Recursos Humanos e o Desenvolvimento de Pesquisas Científicas e Tecnológicas” (Idem, p. 203).
   Observa-se que esses planos surgem, também, em decorrência da quebra do modelo tradicional que movimentava a economia da região (a economia gomífera), onde os governos tentavam encontrar alternativas de desenvolvimento econômico para o estado, mas as ações desses planos ou projetos não se fizeram sentir de forma expressiva no município de Envira de forma a modificar a estrutura socioeconômica e viabilizar o desenvolvimento e a ocupação humana na região, seja na zona urbana ou na zona rural, pelo menos é o que se constata quando se analisa o processo de evolução da sociedade municipal.
Na década de 90, a atividade agrícola começou a se destacar em algumas áreas da zona rural do município. Se desenhava, então uma nova atividade que parecia promissora, devido a grande abundância de terras disponíveis e uma certa vocação da população para a atividade agrícola, e que tinha como base a cultura da mandioca, do milho e do arroz, principalmente. Esses produtos já faziam parte do comércio agrícola local. Constata-se, nesse período, alguns poucos avanços na área da infra-estrutura básica, como maior oferta de energia elétrica, construção de uma rede de esgoto e abertura e calçamento de ruas. No campo das comunicações ocorreu a implantação do sistema de telefonia fixa e a instalação de uma antena receptora e transmissora de sinal de televisão, com acesso para grande parte da população na década de 80. Na década de 90, a construção de uma nova pista para pouso e decolagem para aeronaves de pequeno porte. Na infra-estrutura social ocorreram poucos avanços. Na área educacional verifica-se um leve e tímido avanço, mas não deixa de o ser evidenciado apenas no aspecto quantitativo, permanecendo atrelado aos modelos tradicionais que remontam o período colonial português na região. O sistema e saúde, apesar da construção de um hospital, permaneceram aquém das necessidades locais: poucos profissionais qualificados e menor ainda os equipamentos de que dispunham esses profissionais para atender a clientela local.
Nesse contexto, verifica-se a formação de um grande abismo entre o moderno e o tradicional ou arcaico, este último de flagrante atualidade na vida socioeconômica do município. Os benefícios da modernidade, advindos dos avanços técnicos – científicos ainda eram um sonho para a realidade local. O quadro social conferia com emprego e a renda, situação resultante do baixo grau de instrução (sistema educacional), do sistema da saúde e do isolamento econômico advindos, sobretudo, do modelo político – econômico adotado no país.
Em 1995, surgiu mais um plano alternativo para o desenvolvimento econômico do estado do Amazonas, conhecido como “Terceiro Ciclo”. A ideia do referido plano surgiu durante a campanha eleitoral de 1994, por um de seus integrantes. Segundo PONTES FILHO, “... do discurso de campanha eleitoral de um dos candidatos ao governo do Estado” (2000, p. 204).
Com a vitória do grupo, de acordo com o mesmo autor, criou-se a CIAMA (Companhia de Desenvolvimento do Estado do Amazonas) “... sociedade anônima de economia mista e de direito privado, que elaborou o Planejamento Estratégico do Terceiro Ciclo” (Idem).
O plano apresentou como núcleo o Programa agro alimentar, compreendendo uma série de subprogramas, projetos e ações, baseados “nas diretrizes do plano, voltados para a reestruturação no âmbito econômico e social do setor primário” (Idem, Ibidem).
“Os programas a serem implantados nos municípios eram: subsistência familiar, desenvolvimento de culturas permanentes, armazenagem e beneficiamento, agricultura, produção e sanidade animal/vegetal, infraestrutura agroindustrial, comercialização e mercado, banco de dados, módulos demonstrativos da produção e culturas de várzea” (Idem, Ibidem).
Como podemos perceber o plano “Terceiro Ciclo” demonstrava grande ambição na área de desenvolvimento evidenciando o setor primário. Muito bem intencionado o “Terceiro Ciclo” dispunha de mecanismos capazes de viabilizar a interiorização da economia estadual, não fosse o mau gerenciamento dos recursos destinados à implantação e desenvolvimento dos subprogramas.
Implantado no município de Envira em 1995, o “Terceiro Ciclo” foi um dos poucos planos de desenvolvimento, senão o único, que deu alguns bons resultados, de fato, à economia do município, parece até algo difícil de acreditar, pois na grande maioria dos outros municípios o plano não frutificou, foram raros os locais onde o “Terceiro Ciclo” obteve sucesso, Envira foi um desses.                         
No caso específico do município de Envira o Plano “Terceiro Ciclo” tornou viável o desenvolvimento do setor primário, em termos razoáveis, desde sua implantação, em 1995, até por volta do ano de 2002. O programa incentivou a produção na zona rural através de assistência técnica, subsídios ao produtor, escoamento e compra da produção pela FUNDEPROR (Fundação de Desenvolvimento Sustentado da Produção e Exploração dos Recursos Naturais), fornecimento de equipamentos, transporte e beneficiamento, além de um entreposto de vendas onde o produtor podia comercializar seus produtos diretamente com o consumidor eliminando os atravessadores e, ainda, armazéns para estoques dos produtos e uma unidade de beneficiamento de grãos. Assim, a população foi envolvida no sistema produtivo numa ação conjunta entre o governo municipal, Secretaria de Produção, FUNDEPROR, IDAM, AFEAM, e SEBRAI órgãos que deram relativo apoio ao programa “Terceiro Ciclo” no município de Envira (Jornal Semente da Terra, fev./2004).
O sucesso parcial obtido pelo plano no município de Envira pode ser atribuído ao fato de que parte da população acreditou no programa e tinham que acreditar porque foi o único que oferecia condições e apoio para os que queriam produzir, principalmente durante os primeiros anos de sua implantação; por ter sido o primeiro programa de desenvolvimento econômico que chegou realmente ao município com expressiva relevância de apoio ao produtor; falta de uma atividade econômica que ocupasse a população, isolamento social e miséria generalizada; novo ideário político–econômico de parte da população influenciada pelos conceitos da vida moderna; do gerenciamento inicial, entre outros fatores que viabilizaram a dinamização do Programa “Terceiro Ciclo”, não esquecendo, também, que já havia um plano de incentivo à produção no âmbito municipal antes da implantação do “Terceiro Ciclo” em 1995, ou seja, já estavam sendo erigidas as bases de um programa alternativo de desenvolvimento do setor primário objetivando a produção agrícola no município, (Jornal semente da Terra, fev./2004).  
   “Antes do Terceiro Ciclo o governo municipal já estava desenvolvendo um plano alternativo de apoio à agricultura. Nós já tava plantando mandioca, milho e arroz com a garantia de compra do nosso produto. A garantia de compra da nossa produção pela Prefeitura nos incentivou a continuar na zona rural e a produzir cada vez mais”, (José, entrevista concedida em 27/08/2004).
Notadamente, o “Terceiro Ciclo” mudou o panorama econômico do município de Envira, em parte da população, durante certo período. É certo que foi seletivo e superficial, mas pelo menos amenizou um pouco a situação de muita gente. A abertura da fronteira agrícola viabilizou algumas mudanças na área social. A comunicação, a educação, o lazer, o transporte e outros aspectos sociais sofreram algumas transformações. As grandes distâncias percorridas a remo nas tortuosas vias fluviais foram encurtadas pela ação das máquinas; os remos, instrumento símbolo das dificuldades no transporte dos ribeirinhos, foram substituídos por motores de popa; barcos maiores e melhores equipados sugiram no tráfego fluvial, antes apenas privilégios de seringalistas e dos regatões; a popularização da televisão veio substituir as rodas de conversas de inicio de noite entre conhecidos e parentes, através de antenas parabólicas, tanto na cidade quanto na zona rural nas comunidades ribeirinha; a poranga ou lamparina cedeu lugar a luz elétrica em algumas comunidades da zona rural; as motos serras viabilizaram a construção de barcos e casas na zona rural e também na cidade, essa última, agora com uma arquitetura mais moderna, madeira beneficiada e cobertura de telhas de alumínio tomaram o lugar da pachiúba, do bambu batido e das palhas de jaci e jarina, enfim, são inegáveis os benefícios que o plano do Terceiro Ciclo proporcionou a uma parcela da população do município de Envira, principalmente parte da população rural, mais acentuados em umas comunidades e menos em outras, pois as mudanças não foram uniformes e nem poderia ser em função do seu caráter seletivo. As áreas de maior produção se destacaram mais do que as áreas de menor produtividade.
      Os produtos de maior destaque foram os seguintes: a farinha de mandioca, o milho, o arroz, o feijão, o gramixó (açúcar mascavo) e café, com maior volume para os três primeiros que representavam o maior percentual da produção no município. Foi significativa a produção de frangos e ovos, este último, juntamente com a farinha e o milho, tornaram-se produtos de exportação do município para outros mercados da região, pois além de abastecerem o mercado local sobrava um excedente bastante razoável.
O advento do “Terceiro Ciclo” proporcionou, mesmo que em pequena escala, o crescimento cultural e material de parte da população, foi constato uma evolução no estilo de vida e nas relações sociais, aspectos resultantes do conjunto de elementos novos introduzidos no cotidiano da população que modificaram suas atividades exercidas dentro e fora do seio familiar, assim como a forma tradicional de produzir no meio rural. Novos instrumentos foram introduzidos no processo produtivo e na vida social, como: roçadeiras, debulhadeiras, tratores, motores de popa, fogão a gás, geladeiras, geradores de energia e outros instrumentos que passaram a fazer parte do cotidiano de muitas pessoas da zona rural e também da cidade e que há pouco tempo antes era apenas um sonho, instrumentos de uso diário e tão comum nos centros urbanos mais desenvolvidos.
“Desde a sua elaboração à sua... fase de implantação o plano vem acumulando mais erros e problemas que resultados significativos para a população, estando longe de contribuir para interiorizar a economia amazonense” (PONTES FILHO, 2000, p. 205). Aqui o autor se refere ao estado de forma geral e quando faz referencia à população focaliza a sociedade interiorana também de forma geral, o supérfluo sucesso alcançado pelo plano do “Terceiro Ciclo” no município de Envira é um caso particular e localizado, fato que também ocorreu em alguns raros municípios.

  
O final do século XX e o início do século XXI trouxeram algumas transformações significativas que modificaram vários aspectos da vida no município. A ação do programa “Terceiro Ciclo” foi estendida, principalmente aos ribeirinhos, ex-serigueiros, flagelados do isolamento socioeconômico e excluídos das políticas públicas em nível federal e estadual, na sua maioria. O programa de desenvolvimento econômico, com base no setor agrícola, até certo ponto melhorou as condições existenciais que foram disciplinadas por uma agricultura racionalizada e não mais condicionada exclusivamente pela natureza. Essa evolução do setor produtivo contribuiu para operar várias transformações, exigidas através dos conceitos da vida moderna.  
Entretanto, essas mudanças não excluíram a necessidade de uma análise crítica e reflexiva, muito pelo contrário, sobre o processo pelo qual passou essas transformações, a quem mais beneficiou e se foi garantido o acesso à participação da população na construção de uma nova sociedade a partir dos benefícios usufruídos da nova alternativa econômica e das relações dela derivadas.
Nesse período em que foi constatado um pequeno avanço no campo socioeconômico em comparação com a situação constatada até aquele momento, a euforia gerada pelo efêmero sucesso, obtido a partir dos resultados da plano alternativo desencadeou um acentuado investimento em propagandas expressando outro contexto de desenvolvimento, mas apenas idealizado e não o real vivido pela população local na sua total dimensão.